Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

165 Kelly Eleutério Machado Oliveira Para a historiadora Gladys Ribeiro4, o antilusitanismo não deve ser compreendido como uma manifestação do sentimento nacional, uma expressão de nacionalidade. Ele se configurou como uma rivalidade amparada, sobretudo, nas questões do cotidiano no qual os mundos do trabalho expressaram muito bem. Não existia nesse contexto, década de 1820, “uma identidade nacional brasileira”. Essa unidade só se consolidaria em meados do oitocentos.5 Portanto, a distinção entre portugueses e brasileiros estava em transformação e foi, aos poucos, se politizando e se radicalizando. Acreditamos que a disputa pelo trono em Portugal contribuiu para reforçar a polarização e os antagonismos. Na conjuntura acelerada das guerras de independência no Brasil (1822-1824), o “ser brasileiro” ainda se confundia com o “ser português”, a distinção era, sobretudo, geográfica e não política. Como defenderam István Jancsón e João Paulo Pimenta6 eram todos (com exceção dos escravizados e das populações indígenas) portugueses da América. Ainda assim, essas guerras contribuíram para acirrar as diferenças e mobilizar vocábulos com forte teor identitário. A Constituição brasileira de 1824 ampliou as definições ao afirmar que “eram cidadãos” brasileiros, entre outros, os que tinham nascido em Portugal e em suas possessões, desde que residentes no Brasil e, sobretudo, desde que aderissem à causa da independência (título 2, artigo 6º). Contudo, definir critérios de nacionalidade, como fez a Constituição, não significou o reconhecimento imediato dessa identidade. Como afirmou Sérgio Buarque de Holanda:7 Estado e nação não nasceram juntos. E a nação brasileira foi se constituindo a partir de várias oposições (e também de apropriações). Uma delas foi, certamente, a necessidade de se distinguir do “universo” português. A pesquisa sobre os estudantes brasileiros alistados no Batalhão dos Voluntários Acadêmicos de Coimbra e o exílio liberal português insere o Brasil nos quadros mais amplos da resistência à contrarrevolução na Europa apontando, ainda, de um lado, a permanência de vínculos entre Brasil e Portugal avançado o século XIX e, do outro, o longo e violento processo de construção do Estado, da nação e de uma identidade nacional brasileiros. 4 RIBEIRO, Gladys Sabina. A liberdade em construção. Identidade nacional e conflitos antilusitanos no Primeiro Reinado. Rio de Janeiro: FAPERJ; Relume Dumará, 2002. 5 PIMENTA, João Paulo. Formação da Nação Brasileira. São Paulo: Contexto, 2024. 6 JANCSÓ, István; PIMENTA, João Paulo G. Peças de um mosaico: ou apontamentos para o estudo da emergência da identidade nacional brasileira. Revista de história das ideias, Coimbra, v. 21, p. 389-440, 2000. 7 HOLANDA, Sérgio Buarque de. A herança colonial – sua desagregação. In: HOLANDA, Sérgio Buarque (org.). O Brasil Monárquico. O processo de emancipação. Tomo II, v. 1. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 13-47.

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