170 As conexões entre Brasil e Portugal no contexto dos levantes e da contrarrevolução miguelistas: o caso do Batalhão dos Voluntários Acadêmicos de Coimbra (1826-1828) notícias e combater arbitrariedades.21 Além de uma forte atividade jornalística, os emigrados elaboraram sátiras, realizaram peças de teatro e se engajaram na atividade de tradução de textos. As missivas do estudante maranhense podem ser entendidas como uma espécie de carta-protesto. Eram cartas públicas. Se a defesa do liberalismo, da Carta Constitucional e da legitimidade de d. Pedro e sua descendência ao trono reuniu, em Portugal, brasileiros e portugueses, a experiência do exílio, da emigração forçada, ainda que tenha reforçado a ideologia liberal, contribuindo para aquilo que Maurízio Isabella22 chamou de uma “internacional liberal”, acabou por evidenciar os contrastes identitários entre brasileiros e portugueses. Os sentimentos podiam variar expressando generosidade, conflito e negação. Foi justamente o que nos mostraram as cartas trocadas entre o brasileiro Sátiro Mariano Leitão e o português José Fidélis da Boa Morte que, ao que tudo indica, era um pseudônimo utilizado por Antônio Pereira dos Reis. A carta do estudante indica, contudo, muito mais do que o cotidiano dos emigrados no Barracão de Plymouth e os conflitos travados com a sua administração. Ela revela as suas múltiplas pertenças. Recordou o Maranhão quando lhe ofereceram uma manta para se proteger do frio, “d’um pano semelhante ao de fazer sacas para o arroz e algodão na nossa terra”.23 Se referiu a Portugal como a pátria que deixou “sepultada nos horrores da guerra civil”.24 O Maranhão era a sua terra, Portugal a sua pátria e o Brasil o país que havia deixado há anos com destino a Coimbra. Mas, antes de tudo, ele era, em suas próprias palavras, um “luso liberal”. Como era de se esperar, as duras críticas feitas aos administradores do Barracão, repercutiram e, em resposta a sua carta, foi impressa e publicada a réplica intitulada “carta de José Fidélis da Boa Morte a seu compadre e amigo José da Véstia, a’cerca d’uma carta de certo voluntário, ou forçado Acadêmico”.25 Na missiva, a quem se atribui a escrita ao também liberal Antônio Perei21 FARIA, Fabio Alexandre. O exílio liberal português de 1828-1832, um fenómeno multidimensional: práticas sociais e culturais. Revista de História da Sociedade e da Cultura, v. 16, p. 271-292, 2016. Disponível em: https://impactum-journals.uc.pt/rhsc/article/view/1645-2259_16_12. Acesso em: 10 ago. 2023. 22 ISABELLA, Maurizio. Risorgimento in Exile: Italian Émigrés and the Liberal International in the Post-Napoleonic Era. Oxford: Oxford University Press, 2009. 23 Biblioteca Nacional de Portugal. Carta d’um voluntário acadêmico. Plymouth 2 de novembro de 1828, p. 3. O algodão e o arroz, evocados nas lembranças do estudante, eram, no começo do século XIX, de acordo com Lorrane Ribeiro (2024), as principais plantations do Maranhão, aquelas que lhe davam relativo destaque no mercado agroexportador. A projeção econômica que tais culturas propiciaram ao Maranhão repercutiu também no aumento do número de estudantes maranhenses matriculados em Coimbra como nos mostram: (Galves; Basílio, 2024). 24 Biblioteca Nacional de Portugal. Carta d’um voluntário acadêmico. Plymouth 2 de novembro de 1828, p. 2. 25 Biblioteca Nacional de Portugal. Carta de José Fidelis da Boa Morte a seu compadre e amigo José da Véstia, a’cerca d’uma carta de certo voluntário, ou forçado Acadêmico. Plymouth, s/d.
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