178 Experiências, expectativas e prognósticos na tentativa de inaugurar uma nova era para o sistema global do café: o multilateralismo nas Américas e a primeira Organização Internacional do Café (1953-1958) lítica e de governos nacionais e a longa duração do uso econômico do espaço na América Latina e Caribe e sua configuração em economias de exportação de bens primários. Contudo, nesse exercício, daremos mais atenção a temporalidades, ou estruturas temporais, vividas pelos atores históricos naquele momento específico, o que pode aumentar nosso grau de compreensão sobre as continuidades dessa configuração do sistema do café e o multilateralismo cafeeiro que visava transformá-la. Ao observar os prognósticos traçados pelas autoridades dos mundos do café, acreditamos, assim, abrir uma oportunidade para compreender como as pessoas e grupos envolvidos nesse processo ponderaram experiências pretéritas de governança da commodity e das relações interamericanas a fim de planejarem um futuro inédito para esse sistema. Ademais, em específico para o campo da História das Relações Internacionais no Brasil, tal perspectiva pode permitir a busca por interpretações históricas que tentam responder como e por que o passado seguiu um determinado percurso, e não outro, chegando em um futuro específico, o nosso presente, em contraponto a uma mera narrativa dos acontecimentos passados.5 Ênfases estruturais apontam que o momento histórico que estudamos insere-se na chamada quarta economia global do café. Os legados da configuração produtiva escravista no Brasil possuem relação direta com algumas linhas gerais dessa economia global, a saber, suas tendências de superprodução e de intervenção dos Estados nacionais através de esquemas de valorização e proteção da produção e exportação cafeeira.6 Mesmo dentro da duração temporal de fenômenos representada na quarta economia global do café, é possível considerar também diversas transformações sociais e tecnológicas ocorridas globalmente a partir do marco violento e acelerador da Segunda Guerra Mundial. A popularização do café solúvel, as alterações nos padrões de consumo de café na sociedade estadunidense (maior importadora de café à época), a ascensão da embalagem a vácuo e do supermercado nos Estados Unidos são elementos que criam condições históricas para mudanças nos mundos da commodity. O café solúvel e a disputa acirrada pelo consumidor via competição de 5 KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. 3. reimpr. Contraponto; PUC-Rio, 2006. p. 312-313. Uma vez que nosso objetivo é iluminar aspectos abrangentes do sistema global do café através de um “estudo de caso” sobre as dinâmicas políticas em torno da commodity na década de 1950, cabe lembrar da reflexão de Koselleck sobre a ciência histórica como composta por certo predicado em torno de uma dialética entre a ficcionalidade da narração de eventos e a formulação de explicações hipotéticas para as estruturas (KOSELLECK, op. cit., p. 141). Para uma reflexão recente sobre como trabalhos da área de História das Relações Internacionais no Brasil para o período pós-Segunda Guerra Mundial só recentemente afastaram-se de mera periodização dos acontecimentos, veja: MORELI, Alexandre. Escapar à marcação do tempo e à vã narrativa: pensando o brasil no mundo entre 1945 e 1961. In: SILVA, André Reis da (org.). Repensando a política externa brasileira (1822-2022): novas abordagens e interpretações. Curitiba: Appris, 2023 6 Para uma análise diacrônica das economias globais do café, veja: MARQUESE, Rafael. Asymmetrical Dependencies in the Making of a Global Commodity: Coffee in the Longue Durée. Bonn: Bonn Center for Dependency and Slavery Studies, 2022. (Joseph C. Miller Memorial Lectures Series, 15).
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