179 Leonardo F. Derenze preços na prateleira dos supermercados permitiram e incentivaram as torrefadoras nos Estados Unidos a incluírem em seus blends maior proporção de café africano, percebido como de menor qualidade se comparado às variantes do tipo arabica produzidas na América Latina. Esses fatores nos revelam que parte do mundo cafeeiro percebia e agia em direção a uma aproximação entre o presente e o futuro do comércio e consumo do produto, visando um horizonte diferente daquele experienciado no passado, quando o café africano pouca relevância tinha. Os impérios da Europa compreendiam a produção de café nas colônias africanas como possibilidade de renovar sua dominação no continente (aproximando passado e futuro) a partir do contexto de crescimento da presença de café africano no mercado dos Estados Unidos (uma diferenciação em relação ao passado). Essa dinâmica de contradição nos lembra a complexidade da relação entre diferentes tempos que se projetam em um mesmo processo histórico. Do outro lado do Atlântico, autoridades brasileiras mobilizaram o passado recente com objetivo de empreender a manutenção de seu lugar hegemônico, e também da América Latina, no comércio internacional do café. Em especial, eram lembradas a relação construída entre o governo norte-americano e o Brasil nas décadas de 1930 e 1940, e a experiência com o Acordo Interamericano do Café, que durou de 1942 a 1946, o qual implementou cotas de exportações aos Estados Unidos para cada país produtor, visando manter o continente longe da influência política e econômica do Eixo ao atender as necessidades econômicas das sociedades cafeeiras. Em meados de 1952, em uma reunião entre estadunidenses e brasileiros, o ministro da fazenda Horácio Lafer afirmou que “in the past and still today coffee is the basis of Brazilian economic stability”, ao comentar o descompasso entre o preço de bens primários e bens de capital, cuja importação pelo Brasil era fundamental para os planos de industrialização da economia no governo de Getúlio Vargas (1951-1954). Ainda na mesma reunião, o presidente Vargas mostrou-se insatisfeito com certa indisposição de Washington em considerar relevantes as dificuldades brasileiras para acelerar sua industrialização, no que apontou como relativização feita pelo governo dos Estados Unidos sobre um possível papel de importância, regional e global, para Brasil nesse momento pós-1945. Isso aponta para certa frustração de Vargas frente ao horizonte de futuro que havia traçado a partir de sua experiência com o grupo dos new dealers nos Estados Unidos antes do fim da guerra, o que teria consequências, inclusive na visão do próprio Vargas, para como a crise entre Brasil e EUA em torno do preço do café em 1954 evoluiria.7 À semelhança dos impérios europeus, as nações cafeeiras na 7 Para o resumo do encontro que ocorreu entre brasileiros e estadunidenses no Palácio do Catete, veja as notas do lado norte-americano: Document 186, 110.11 AC/7-1452, ‘Résumé of Discussion Held at the Presidential Palace, Rio de Janeiro, July 5, 1952, Confidential in Foreign Relations of the United States, FRUS, 1952-1954, The American Republics, Volume IV. No mesmo encontro, Vargas afirmou
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