180 Experiências, expectativas e prognósticos na tentativa de inaugurar uma nova era para o sistema global do café: o multilateralismo nas Américas e a primeira Organização Internacional do Café (1953-1958) América Latina também operaram em contradição quanto às relações entre diferentes tempos. Para conter a ascensão do “concorrente perigoso” que era o café africano, autoridades governamentais e dos mundos do café valorizaram a experiência recente do auxílio ao esforço de guerra aliado e do Acordo Interamericano do Café (1940) (projetando um jovem passado sobre o futuro) para empreender um projeto de governança global sobre o sistema da commodity que seria inédito (distanciando passado e futuro), ao mesmo tempo em que congelaria a hegemonia latino-americana de produção e exportação (projetando, dessa vez, um longo passado sobre esse futuro).8 Devemos também considerar outras transformações sociais encaradas nesse período do pós-guerra, como certo ímpeto político geral em buscar resolver problemas a partir de soluções multilaterais e da normatização e institucionalização de sistemas globais, que por vezes já existiam há séculos. A rapidez dessas transformações fazia com que os atores partícipes entendessem o surgimento de oportunidades inéditas, de inaugurar futuros impossíveis de serem traçados anteriormente. Em 1953, antes, portanto, do que a literatura aponta como marco para início das formulações em torno do multilateralismo do café após a crise de preços de 1954, o governo brasileiro formulou uma minuta para um acordo internacional do café, colhendo lições da experiência em torno de acordos semelhantes centrados no açúcar e no trigo. Nesse mesmo contexto, um diplomata brasileiro expressara suas expectativas para o ministro da fazenda Oswaldo Aranha em torno da liderança brasileira no sistema cafeeiro. Aranha inclusive sublinhara o trecho em que o prognóstico sobre os planos inauguraria “uma nova era” e possibilitaria ao governo brasiexplicitamente que o ex-presidente Franklin D. Roosevelt desconsideraria a importância do Brasil e seu crescimento econômico para o governo dos Estados Unidos. Cabe lembrar que Vargas também faz menção direta à questão do café em sua carta-testamento, citando a pressão norte-americana quando do aumento do preço internacional do café a partir da virada de 1953 para 1954. 8 Para o Acordo Interamericano do Café nos anos 1940, veja LAFER, Celso. Convênio do Café de 1976. São Paulo: Perspectiva, 1979. p. 73-74. Em setembro de 1953, diplomatas brasileiros já entendiam a ascensão da produção de café na África como um “concorrente perigoso” aos interesses econômicos do Brasil e da América Latina. Veja: Memo. de Marcio Rego Monteiro para Sr. Chefe da Divisão Econômica, Confidencial, DE/Dpo/661.333(00), “Formação de um cartel de café por iniciativa da Colômbia”, 14 de setembro de 1953, no maço “Memorandos Agôsto 1953/1954 Pareceres”, em Arquivo Histórico do Ministério das Relações Exteriores do Brasil (AHMRE), Brasília, DF. Também as elites econômicas ligadas aos mundos do café no Brasil, ao longo da segunda metade da década de 1950, eram favoráveis e exerciam influência em pressionar pela “conclusão o mais rapidamente possível de um acordo internacional do café”. Nem sempre com interesses alinhados, em agosto de 1957, uma reunião conjunta da Sociedade Rural Brasileira, da Associação Comercial de Santos e da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, decidiu por essa posição. Veja em: Ata de Sessão Conjunta Extraordinária, 27 de agosto de 1957, Livro de Atas das Reuniões de Diretoria da Sociedade Rural Brasileira, 1957 a 1959, na Biblioteca da Sociedade Rural Brasileira, em São Paulo. Para a tensa relação entre a lavoura cafeeira e o governo brasileiro no período, veja: STOLCKE, Verena. Cafeicultura: homens, mulheres e capital (1850-1980). São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 155-170.
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