181 Leonardo F. Derenze leiro “liderar o problema [do café] no mundo inteiro”.9 O notório político seguiria reformulando suas expectativas, e traçando novos prognósticos de ação política a partir de novas experiências vividas ao longo da década de 1950. Os resultados da economia planificada da União Soviética impressionavam autoridades brasileiras à direita e à esquerda do espectro político, e temeroso quanto a uma possível perda de força global da política pan-americana e do cristianismo, entendia que os “horizontes mais pareciam abismos”, frente ao que chamou de “o impulso subversivo das colossais forças desintegradoras do mundo oriental”, em referência ao início da ascensão africana para fora do jugo colonial e também das conquistas dos comunistas na China e na Coreia.10 Dessa forma, as contradições entre diferentes tempos, que formam a temporalidade na qual se conformava o processo histórico do multilateralismo cafeeiro, apontam, simultaneamente, para ressonâncias e distanciamentos entre os objetivos e prognósticos de autoridades latino-americanas e europeias. Em meio a essa complexa rede de tempos e interesses, os impérios europeus, em geral, não se interessaram em participar de um acordo internacional do café que regulasse o mercado a partir de cotas de exportação. Durante a Conferência Internacional do Café, realizada em fins de janeiro de 1958 no Brasil, autoridades de Bélgica, França e Portugal buscaram esterilizar os poderes políticos a serem delegados para a Organização Internacional do Café que a reunião visava criar. Responsáveis pelas propostas de emendas que podaram o potencial de criar um mercado internacional controlado, Bélgica e França não assinaram, ao fim da conferência, o convênio de criação da OIC. Para além de nações da América Latina, somente o governo de Portugal também assinou o convênio.11 Para além de nos ajudar a relativizar os tempos da guerra fria mundial e latino-americana nas continuidades e transformações do sistema global do 9 O governo brasileiro formulou, ainda no primeiro semestre de 1953, um rascunho para um acordo internacional do café. Veja em ‘Draft – International Coffee Agreement’ em OA t Café Pasta IV, 19471956 em Arquivo Oswaldo Aranha, Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Fundação Getulio Vargas (OA-CPDOC.FGV). Para a correspondência do diplomata brasileiro com Aranha, com o sublinhamento que citamos, veja: Carta da Sebastião Salgado para Oswaldo Aranha, 2 de julho de 1953, Rio de Janeiro, em OA cp 1953.04.08 em OA-CPDOC.FGV. 10 Oswaldo Aranha compartilhou essas impressões em carta particular enviada a José Carlos de Macedo Soares, quando da ocasião em que o último assumira, pela segunda vez, o posto de chanceler brasileiro. Veja em Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB), Série José Carlos de Macedo Soares, Documento DL 993.29, Carta de Oswaldo Aranha a Soares, em 21 de outubro de 1957. Sobre a atração de autoridades brasileiras, inclusive do campo liberal, aos resultados da economia soviética, veja CATERINA, Gianfranco.Gagarin in Brazil: reassessing the terms of the Cold War domestic political debate in 1961. Revista Brasileira de Política Internacional, v. 63, n. 1, e004, 2020. 11 Para as atas e notas taquigráficas das reuniões durante a conferência, veja “Notas taquigráficas”, AN, RIO N9.0.COD.313, no Arquivo Nacional, Rio de Janeiro, Fundo/Coleção N9 – Instituto Brasileiro do Café, Série 14 – Comissão Preparatória da OIC. O texto do convênio constitutivo da OIC de 1958 foi escrito e assinado em três línguas: português, espanhol e francês. Ele pode ser consultado em versão publicada em livro: CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DO CAFÉ, RIO DE JANEIRO, BRASIL. Convênio Constitutivo e Documentos Básicos. Rio de Janeiro: Organização Internacional do Café, 1958.
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