Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

187 Lucas Mohallem poral”. De alcance vasto, este movimento semântico não se limitou ao vocabulário diretamente empenhado na conceptualização do tempo (“História”, “Progresstc.), mas atravessou todo o léxico político e social existente, reconfigurando-o de duas maneiras. De um lado, dotou os conceitos herdados de tempos passados de um componente dinâmico, arrancando-os das representações cíclicas ou escatológicas da realidade a que estavam ligados; do outro, deu origem a uma classe de conceitos especificamente modernos, os quais, dotando-se de uma vocação antes reflexiva que empírica, não mais aspiravam a registrar a experiência pretérita, mas a criar novas experiências e realidades.3 Já por politização, entende-se o processo de formação de identidades e alteridades políticas a partir de oposições semânticas criadas no interior desse mesmo vocabulário, e no mais das vezes expressas por meio de binômios conceituais polarizados. Já presentes no vocabulário político pré-moderno (como bem atesta os clássicos pares “Grego-Bárbaro” e “Cristão-Pagão”), estes dualismos adquiriram um novo significado a partir do século XVIII. No limiar da Modernidade, eles operaram como um marco de inteligibilidade para a nova realidade histórica que então se formava, permitindo que se reorganizasse o conteúdo da sociedade de ordens segundo novos critérios. Daí por diante, a demarcação de grupos sociais e unidades de ação política não mais obedeceria à lógica hierárquica da sociedade estamental, mas aos imperativos políticos de uma era aberta a uma multiplicidade de futuros possíveis. Formavam-se, então, grupos cujas fronteiras e identidade não eram determinadas apenas pela realidade já disponível no presente, mas também pelas expectativas e antecipações que traziam com relação ao porvir. Liberal, constitucionalista, conservador, socialista, etc. – todas essas são denominações políticas definidas antes pelas expectativas que exprimem do que pela experiência que encerram. Em um mundo regido pelo ethos da revolução, aberto a um futuro incerto e caracterizado por uma volatilidade política e social cada vez maiores, este vocabulário politizado passou a constituir um importante subsídio à prática política concreta, oferecendo aos sujeitos e grupos que o manejavam um conjunto de critérios para determinarem quem eram seus correligionários, e quem eram seus inimigos.4 Em seu sentido mais amplo, a linguagem dos Direitos Naturais não é exclusiva ou distintiva do contexto histórico que aqui nos interessa. Uma rápida sondagem dos clássicos da Filosofia antiga ou medieval revelará certa 3 KOSELLECK, Reinhart. A Temporalização dos Conceitos. In: KOSELLECK, Reinhart. Histórias de Conceitos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2020; FERNÁNDEZ SEBASTIÁN, Javier. Historia conceptual en el Atlántico ibérico: lenguajes, tiempos, revoluciones. Cidade do México: Fondo de Cultura Económica, 2021. p. 95; 168. 4 KOSELLECK, Reinhart. A semântica histórico-política dos conceitos antitéticos assimétricos. In: KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto; PUC-RIO, 2006. p. 191-232; KOSELLECK, Reinhart; Conceitos de Inimigo. In: KOSELLECK, Reinhart. Histórias de Conceitos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2020.

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