Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

188 O Direito Natural e o Espectro Político Moderno: considerações sobre a temporalização e politização de uma linguagem incidência de noções de Direito Natural ou, pelo menos, de Lei Natural. No entanto, por consequência de um processo de temporalização, configura-se, a partir do século XVII, uma linguagem dos Direitos Naturais substancialmente distinta de seus precedentes históricos. Nosso argumento é que, uma vez temporalizada e politizada, a rede semântica do Direito Natural despontaria como um dos eixos estruturantes do novo espectro político que então se configurou no mundo ocidental, caracterizado pela oposição polar entre os simpatizantes da Revolução e seus detratores. Grosso Modo, as variantes tradicionais e pré-modernas do Direito Natural tendiam a figurar o mundo como uma realidade estática, imanente e imutável, pois assim concebida por deus. Eis o que se verifica, por exemplo, nas obras da escolástica ibérica do século XVI, em que a noção de uma lei natural imutável subsidiava uma filosofia cujo horizonte não era a transformação da vida terrena do ser humano, mas a compreensão de seu papel em um cosmos ordenado por deus.5 A partir da segunda metade do século XVII, a rede semântica do Direito Natural seria fortemente temporalizada, levando a um progressivo abandono do caráter estático que possuía. A tríade conceitual “perfeição”, “aperfeiçoamento” e “perfectibilidade” dá um compelente testemunho dessa dinâmica. De importância crucial para o jusnaturalismo, o qual enxergava a Natureza como um modelo de perfeição moral, os usos históricos desses conceitos sinalizam para o crescente grau de prospectividade adquirido por essa linguagem nos tempos modernos. Impregnada das expectativas cristãs por um paraíso celeste, a noção de “perfeição”, mesmo quando mobilizada em relação à vida terrena, tendia a denotar uma meta fixa, um horizonte estático. O “aperfeiçoamento” faz da expectativa por uma perfeição futura uma “categoria processual de movimento”, arrancando-a do horizonte fixo em que se realizava. A “perfectibilidade”, por fim, finca na própria natureza humana uma capacidade, quando não uma obrigação, de se aperfeiçoar. Ou seja, faz do devir histórico rumo a um futuro melhor e inédito uma qualidade antropológica, indissociável da condição humana.6 5 Para uma análise especializada do jusnaturalismo escolástico ibérico, ver: BRETT, Annabel S. Liberty, Right and Nature: Individual Rights in Later Scholastic Thought. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. (Ideas in Context, 44); Para uma interpretação distinta daquela que aqui defendemos, mas muito rica, ver: EDELSTEIN, Dan. On the Spirit of Rights. Chicago: University of Chicago Press, 2018. 6 KOSELLECK, Reinhart. "Progresso" e "Declínio": um adendo à história de dois conceitos. In: KOSELLECK, Reinhart. História de Conceitos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2020. Note-se que aqui não falamos em “progresso”. Talvez a forma conceitual mais madura e acabada do processo de temporalização, o conceito de “progresso” não se imporia, em sua acepção moderna, senão nas últimas décadas do século XVIII, e as primeiras do XIX. No que diz respeito à temporalização da linguagem do Direito Natural, o eixo semântico fundamental foi aquele da “perfeição”.

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