19 Rafael de Bivar Marquese balanço que havia escrito com João Paulo sobre as tradições de História Global na América Latina e no Caribe. É sobre ela que passo a tratar agora. Ao término do projeto coletivo sobre paisagem e arquitetura das zonas da Segunda Escravidão, resolvi aplicar seus problemas e métodos para o estudo verticalizado da cafeicultura escravista nas Américas. Meu objetivo seria examinar primeiramente, de forma comparada, os ambientes construídos das fazendas escravistas de café em Cuba e no Brasil, para, em um segundo momento da investigação, tratar de Saint-Domingue e Jamaica. Com este projeto, renovei minha Bolsa de Produtividade em Pesquisa nível 2 do CNPq por duas vezes, em 2010 e 2013. No entanto, com o início dos trabalhos do Lab-Mundi e a reclassificação da bolsa do CNPq para o nível 1-D (cujos recursos de taxa de bancada me permitiriam realizar mais facilmente pesquisa de arquivo fora do Brasil), tomei a decisão de ampliar minha análise para o conjunto de todas as regiões produtoras de café no mundo entre o século XVI e o início do século XX. O enfrentamento mais sistemático da historiografia corrente no campo da História Global também me conduziu a isso, notadamente o livro recém-lançado – que pude ler ainda nas provas – de Sven Beckert.11 Uma obra fascinante e sedutora, sem dúvida, mas com alguns problemas pontuais no que se refere à conceituação de capitalismo histórico, ao tratamento da história comparada e do universo do trabalho. Sem ter clara consciência disso, eu vinha acumulando leituras sobre a trajetória global do café desde minha graduação: em dezembro de 1991, o primeiro livro que Penalves me sugeriu ler para preparar meu projeto de IC sobre manuais escravistas foi o clássico de Stanley Stein sobre a escravidão na cafeicultura do Vale do Paraíba.12 Chegando ao presente, isto é, aos trabalhos mais recentes com pegada clara na moda da História Global, a incapacidade deles em dar conta da historicidade das formas compulsórias de trabalho mobilizadas para a produção do artigo era algo que também vinha me incomodando.13 Em fins da década de 1930, um historiador brasileiro para lá de old fashion, o primeiro professor da Cadeira de História da Civilização Brasileira na antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, havia publicado uma obra gigantesca e caótica sobre a história do café no Brasil, porém inigualável em termos de amplitude espacial e temporal, haja vista que cobria não apenas nosso país, mas igualmente outros espaços produtores em um arco 11 BECKERT, Sven. Empire of Cotton. A Global History. New York: Knopf, 2014. 12 Para a edição mais recente, ver STEIN, S. J. Vassouras. Um município brasileiro do café, 1850-1900 (1957; trad. port.). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. A versão que li na ocasião foi a tradução preparada por Caio Prado Jr., que trouxe outro título: Grandeza e Decadência do Café no Vale do Paraíba: com referência especial ao município de Vassouras. São Paulo: Brasiliense, 1961. 13 Penso particularmente no trabalho de Steven Topik, que há bastante tempo está escrevendo uma história global do café. Dentre suas várias publicações preparatórias, ver em especial o artigo TOPIK, Steven. How Brazil Expanded the World Coffee Economy. Österreichische Zeitschrift für Geschichtswissenschaften / Austrian Journal of Historical Studies, v. 30, n. 3, p. 11-41, 2019.
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