Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

190 O Direito Natural e o Espectro Político Moderno: considerações sobre a temporalização e politização de uma linguagem Este quadro politicamente plural seria radicalmente transformado pela Revolução Francesa. E não porque o Direito Natural tenha produzido a revolução – o que, de fato, não fez –, mas antes porque a revolução encontrou na linguagem do jusnaturalismo o referencial de legitimidade de que tanto precisava. Afinal, foi em nome dos critérios morais e supraestatais ditados pelo Direito Natural que a Revolução questionou a autoridade estabelecida do Estado; e foi também nesses mesmos critérios que a empreitada revolucionária – por definição ilegal, pois afrontosa ao poder instituído – encontrou sua própria legalidade.12 Uma vez mobilizada em nome do explícito propósito de subversão da ordem estabelecida, a linguagem dos direitos naturais seria politizada. A partir de então, as distintas interpretações sobre o Direito Natural, outrora passíveis das apropriações as mais diversas, tornar-se-iam atributos definidores dos principais campos de um espectro político em formação, o qual antepunha a tradição revolucionária ao conservadorismo. E o que é mais importante: a delimitação desses campos político-ideológicos esteve intimamente ligada ao sentido temporal das redes semânticas por eles mobilizadas. Uma modalidade fortemente temporalizada das teses do Direito Natural, tributária das transformações semânticas referentes ao conceito de “perfeição” e seus derivados, tornar-se-ia a pedra angular da identidade e do discurso revolucionário. A aferição de um padrão natural de justiça e moralidade ensejava o diagnóstico de que a condição humana se dotava de uma perfeição latente, quando não de uma perfectibilidade congênita. A sujeição da política aos imperativos racionais da Natureza fazia com que se identificasse nas instituições existentes no presente um déficit em relação aos padrões ideais aferidos da Lei Natural. Esta constatação, por sua vez, criava um coeficiente temporal entre um presente imperfeito e um futuro almejado, subsidiando o clamor por uma “aproximação infinita” que em muitos sentidos pavimentava o caminho para a ação revolucionária.13 Tornada sinônimo de agitação revolucionária e contestação da ordem desde seu uso concreto pelos revolucionários na França, a modalidade contratualista e temporalizada do Direito Natural seria praticamente varrida do discurso daqueles que se opunham à marcha revolucionária, aparecendo aí tão somente como objeto de críticas. Eis o que se verifica em Burke, o mais célebre crítico contemporâneo da Revolução Francesa, e também um dos principais responsáveis por sua associação ao jusnaturalismo. Opondo-se ao caráter “abstrato” e “metafísico” dos direitos naturais do homem, que haviam ver: Rapport sur l'ouverture d'un concours pour les livres élémentaires de la première éducation, par Grégoire (Séance du 3 pluviôse an II) apud HUNT, Lynn. Política, Cultura e Classe na Revolução Francesa. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 22-23. 12 KOSELLECK, Reinhart. Critica e Crise. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999; CHARTIER, Roger; SCHLESINGER, Chris. Origens culturais da Revolução Francesa. São Paulo: Unesp, 2009. 13 KOSELLECK, op. cit., 2021.

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