Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

191 Lucas Mohallem levado os revolucionários a pôr abaixo o patrimônio histórico de seu país em nome de uma perfeição futura supostamente inalcançável, Burke preconizava uma prática política “prudente”, fundada em um conhecimento retrospectivo e empírico, informado antes pelos fatos positivos da experiência histórica que pelos ditames de uma expectativa racional temporalizada. O recurso a Koselleck permite aferir que a resposta de Burke ao fenômeno revolucionário, e às doutrinas jusnaturalistas que julgava subsidiá-lo, estava eivada de um forte conteúdo temporal. Os Revolucionário, dizia Burke, “não julgam dois mil anos um período suficientemente longo para o bem que prosseguem. [...] A sua humanidade não terminou, [...] [ela] está no seu horizonte – e, tal como o horizonte, está sempre a recuar mais para frente”. E, escarnecendo da vocação prospectiva inerente à empreitada revolucionária, concluía: “[os revolucionários] não falam como políticos, mas como profetas”.14 Ainda que com um significado e uma cronologia próprias, esse processo de temporalização e politização da linguagem dos Direitos Naturais far-se-ia sentir no mundo luso-americano, como consequência de sua participação de uma experiência revolucionária moderna cada vez mais globalizada.15 A deflagração do movimento constitucionalista do Porto em 1820 fez da década que então se iniciava um período de profunda instabilidade e transitoriedade, condições que convidavam à elaboração de distintos projetos de futuro, e incentivam o emprego das doutrinas temporalizadas do cânone jusnaturalista. Primeiro com a inauguração das Cortes Constituintes em Lisboa, e novamente durante o processo que levou à Independência e à montagem do Estado Brasileiro, o Direito Natural despontaria como uma das principais linguagens em voga no debate público, e um elemento polarizador de um espectro político em processo de formação. Cipriano José Barata (1762-1838), aguerrido liberal conhecido por sua luta em defesa de um regime político pautado pela soberania popular, nos dá um vivo testemunho do papel estruturante desempenhado pelo Direito Natural no âmbito do pensamento radical no Brasil. Escrevendo de Pernambuco, Barata atuava no sentido de vindicar a promessa, feita pelo Rio de Janeiro no momento da ruptura com Portugal, de que o regime político do Império que então se fundava no Brasil fosse livre, constitucional e representativo da vontade dos vários povos que haviam decidido integrá-lo. Em seus escritos, emprestaria uma coloração revolucionária à Independência. Mobilizando o referencial interpretativo do Direito Natural, insistia que o processo de conformação do “pacto social” brasileiro resultava de um legítimo movimento de retomada da soberania pelo povo, o qual, vendo seus “imprescritíveis direitos” 14 BURKE Edmund. Complete Works. Vol V, p. 138; 140-142 apud STRAUSS, Leo. Direito Natural e História. Coimbra: Edições 70, 2009. p. 256; 260. 15 PIMENTA, João Paulo. Tempos e espaços das independências: a inserção do Brasil no mundo ocidental (1780-1830). São Paulo: Intermeios, 2017.

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