192 O Direito Natural e o Espectro Político Moderno: considerações sobre a temporalização e politização de uma linguagem violados, teria optado por dissolver seus vínculos de obediência com seus antigos governantes. Nascido deste processo, o regime imperial brasileiro não só era algo de inteiramente novo, como também legítimo tão somente lograsse salvaguardar os direitos naturais do povo que o instituíra – donde se seguia uma relativização dos deveres de obediência. Na edição de 27 de outubro de 1823, apresentava uma madura e eloquente formulação dessas ideias: Lei é a norma das ações humanas, segundo a justiça natural; ela se encaminha a fazer a felicidade particular e pública; e sempre é feita pela vontade geral dos Representantes que são o competente órgão do povo: logo [...], segue-se que ela deve ser acomodada aos fins da Sociedade, e que por isso deve ser razoável, clara e justa; e por uma infalível consequência, aquela que não cumprir com os fins, não é verdadeira Lei, e por isso não se lhe deve obedecer cegamente.16 As hipóteses de Koselleck mostram-se muito profícuas para a interpretação desse discurso. Em primeiro lugar, elas concorrem para dar inteligibilidade a seu alto grau de temporalização. Ao preconizar a absoluta precedência da Lei Natural a toda forma de legislação positiva, Barata estabelecia um coeficiente temporal entre o presente sobre o qual agia e o futuro que almejava. Figurada nesse discurso como o horizonte por excelência de toda legislação, a Lei Natural infunde a lei positiva historicamente existente de um dinamismo. Aqui subentende-se haver, em toda lei positiva, um dever-ser que a projeta para o futuro, e a insere em um movimento de “aproximação infinita” em relação aos padrões ideias da Natureza. E mais: este processo de aperfeiçoamento não se apresenta como uma possibilidade, mas como uma obrigação. A norma moral que se depreende desta modalidade temporalizada de jusnaturalismo estabelece a transformação constante das instituições como um imperativo, como bem o atesta o uso constante do verbo “dever” no excerto acima. Em segundo lugar e por consequência, a ótica koselleckiana consente afirmar que é precisamente a natureza temporalizada das doutrinas jusnaturalistas manejadas por esse discurso, as quais comunicam a expectativa por um futuro conscientemente distinto do presente que se vive, que acabam por politizá-lo, dotando-o de uma identidade política revolucionária. Isto é: o discurso de Barata se faz radical na exata medida em que se orienta por um horizonte de expectativas que não pode ser contido ou depurado da experiência política pregressa, donde se conclui que só pode ser alçando por via de um ato deliberado de ruptura e inovação: uma revolução.17 16 Sentinela da Liberdade na Guarita de Pernambuco, 27-10-1823 apud SLEMIAN, Andréa. Sob o Império das Leis: Constituição e Unidade Nacional na Formação do Brasil. São Paulo: Hucitec, 2009. p. 10. 17 KOSELLECK, Reinhart. “Espaço de experiência” e “horizonte de expectativa”: duas categorias históricas. In: KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto; PUC-RIO, 2006.
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