Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

193 Lucas Mohallem Ainda que por negação, essas expectativas políticas temporalizadas, subjacentes às doutrinas do Direito Natural moderno, também desempenhariam um papel na conformação de uma identidade política conservadora. Com efeito, ser conservador estava ligado, nestas circunstâncias, à rejeição do conteúdo prescritivo e prospectivo da Lei Natural, e à preferência dos fatos positivos da experiência histórica pregressa como guia para a prática política. José da Silva Lisboa (1756-1835), um professo inimigo do fenômeno revolucionário moderno, que muito se empenhou para que o Brasil não seguisse o curso da França e das repúblicas Hispano-Americanas, nos dá compelentes testemunhos deste tipo de atuação. Seus (muitos) escritos estiveram eivados de uma preocupação de situar o Império do Brasil numa linha de continuidade em relação à presença da corte joanina na América. O resultado dessa representação era o esvaziamento de todo senso de agência voluntária por parte do povo, e a negação de que o novo regime tivesse quaisquer compromissos com a salvaguarda de supostos Direitos Naturais – dos quais sequer reconhecia a existência, quanto menos a legitimidade. Para esta personagem, a única prerrogativa verdadeiramente indelével, sob cuja égide se conduzira a transição do velho para o novo regime, era a “inteira e imprescritível herança da Monarquia Constitucional”, inalienavelmente pertencente a D. Pedro de Alcântara por seu “jus da progenitura”.18 Dessas premissas, concluía que “a nova ordem política para o Império do Brasil não começou por via da Revolução”.19 Um comportamento similar também pode ser encontrado em sua atuação como deputado da Assembleia Constituinte (1823). Ironicamente empossado como suplente de Cipriano Barata, seu conterrâneo e arqui-inimigo político, Silva Lisboa teve uma atuação marcada pela constante oposição aos projetos que concebiam a inauguração da nova ordem como uma ruptura voluntária e deliberada em relação ao passado colonial português. Por esta razão, bateu-se contra os princípios do Direito Natural, frequentemente mobilizados pela deputação liberal mais radical para exprimir expectativas temporalizadas por um futuro político inédito para o Brasil. Na sessão de 8 de agosto de 1823, entrava em pauta o artigo 7º do parágrafo III do Projeto de Constituição, o qual previa a elevação da liberdade de religião ao estatuto de um direito individual dos cidadãos do Império. Posicionando-se contra a redação do artigo, Silva Lisboa dizia: Do meado do século passado em diante, muito escreveram os filósofos sobre a necessidade da tolerância em matéria de Religião, ainda nos 18 LISBOA, José da Silva. Império do Equador na Terra da Santa Cruz, com voto philantrópico de Roberto Southey. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1822. p. IV. 19 LISBOA, José da Silva. Quartel das Marrecas. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1823. p. 3.

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