Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

194 O Direito Natural e o Espectro Político Moderno: considerações sobre a temporalização e politização de uma linguagem países em que há alguma religião dominante, e mantida pelo Governo; e até pretenderam que não houvesse Religião Dominante do Estado, considerando que assim se evitariam as guerras religiosas, as perseguições civis, as antipatias nacionais, e se promoveria a paz, e harmonia das Nações. [...] Mas, não obstante estas razões plausíveis, os Estadistas se devem regular pela Experiência.20 E a experiência ditava que a tolerância abria o caminho para a sublevação da ordem: Nós temos o grande fato próximo da Revolução na França. Principiando-se por declamações contra a Intolerância, requereu-se a Tolerância absoluta do governo sobre o objetos políticos e religiosos. Os cabalistas abusaram logo das sucessivas concessões da tolerância, e derrubaram o governo estabelecido, e as suas próprias novas Constituições, aliás cheias de Declarações dos Direitos do Homem, e de liberdades na Administração e Religião [...]. Os Representantes da Nação por fim foram intolerantíssimos de tudo que se opunha às opiniões do partido dominante, e ocasionaram a matança e horribilidades, que nunca houveram em guerra e perseguições Religiosas.21 O que chama a atenção nessas passagens é que Silva Lisboa estabelece uma oposição entre a visada prospectiva da Razão jusnaturalista, cuja tendência a fixar os direitos do homem como um padrão de perfeição moral impelia as sociedades a uma marcha progressiva; e o conhecimento a posteriori adquirido a partir da Experiência, o qual aspirava a um saber demonstrável, próprio a defender as sociedades em suas configurações existentes no presente. Por meio do manejo desse binômio epistemológico (Razão x Experiência), Silva Lisboa marcava sua posição em um espectro político onde a prospectividade encarnada nas teses modernas do jusnaturalismo despontava como um traço definidor do campo revolucionário. E ao recusá-las, reafirmava sua posição conservadora. Com efeito, o único tipo de Direito Natural ao qual assentia era aquele de inspiração aristotélico-tomista, o qual reafirmava a “Ordem Imutável das Coisas, estabelecida pelo Eterno Regedor do Universo”.22 Mesmo vencido em sua contenda contra o artigo, Silva Lisboa levantou-se para marcar uma posição – posição essa que muito nitidamente demonstrava a centralidade dos conceitos temporalizados para a conformação das identidades políticas modernas. “Como não sei ler a História do Futuro”, dizia, escarnecendo das expectativas de seus adversários, “não posso ter con20 BRASIL. Senado Federal. Diário da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, 1823. Brasília: Senado Federal, 2003. T. III, p. 196. 21 Ibid. t. III, p. 194. 22 LISBOA, José da Silva. Extractos das obras políticas e econômicas de Edmund Burke. Lisboa: Viúva Neves, 1822. p. V.

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