Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

195 Lucas Mohallem fiança [...] de que o novo Sistema não produzirá transtorno na Ordem Civil, e na religião do Estado”.23 *** A mobilização das hipóteses da temporalização e da politização para o estudo da rede semântica do Direito Natural trás, antes de mais, um ganho empírico. É só quando se apreende a realidade através do prisma dessas hipóteses, e da teoria geral da Modernidade que elas subsidiam, que se torna possível constatar que a linguagem do Direito Natural desempenhou um papel importante e polarizador na constituição do espectro político moderno, reconhecendo que ela foi um dos critérios de delimitação das principais identidades políticas que então se constituíam: o campo revolucionário e o campo conservador. Invertendo o vetor, há também algumas considerações teóricas que se podem depurar desta empreitada. Em primeiro lugar e mais obviamente, o objeto aqui em tela – como qualquer outro referente às Américas na passagem do século XVIII e XIX – aponta para a necessidade de expandir e requalificar a teoria da Modernidade de Koselleck, a fim de que contemple as especificidades históricas do universo político e social americano – e no nosso caso, luso-americano. Se é verdade que o percurso histórico da América Portuguesa pode ser e, de fato, vem sendo, proficuamente apreendido pela interpretação koselleckiana da Modernidade, é incontornável que as especificidades histórico-empíricas desta realidade venham a reconfigurar a definição daquilo que se entende por Modernidade.24 Afinal de contas, parece-nos que uma compreensão das qualidades distintivas da era moderna jamais poderia prescindir da experiência das Independências da América, onde diversas sociedades se viram na situação de ter de criar uma jurisdição e instituir um Estado onde antes não havia nenhum. Pensando em termos koselleckianos, poucas experiências se poderiam definir como tão modernas quanto essa.25 Em segundo lugar, a análise da rede semântica do Direito Natural, e do papel por ela desempenhado na conformação do espectro político moderno, sugere haver uma relação de reciprocidade e mútua determinação entre os processos de temporalização e politização. Parece-nos que foi o caráter fortemente temporalizado das doutrinas jusnaturalistas que as fizeram despontar como um atributo característico e distintivo do campo revolucionário. Con23 BRASIL. Senado Federal. Diário da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, 1823. Brasília: Senado Federal, 2003. t. III, sessão de 5 de novembro. 24 Exemplos muito bem-sucedidos de mobilização do referencial koselleckiano para a interpretação da realidade histórica americana são encontrados em: PIMENTA, op. cit., 2017; ARAÚJO, Valdei Lopes de. A experiência do tempo: conceitos e narrativas na formação nacional brasileira. São Paulo: Hucitec, 2008. 25 A este respeito, ver: PALTI, Elias. De la historia de "ideas" a la historia de los "lenguajes políticos" – las escuelas recientes de análisis conceptual: el panorama latinoamericano. Anales, n. 7-8, p. 63-81, 2005.

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