20 Um balanço pessoal sobre a primeira década do Lab-Mundi/USP (2013-2023) do Iêmen ao Oeste de São Paulo.14 Se Taunay jamais poderia me oferecer um caminho adequado sobre como escrever uma história global do café – ou qualquer outro tipo de história –, dois outros cientistas sociais brasileiros, sim. Em dois ensaios escritos respectivamente em 1969 e 1976, o grande economista Antônio Barros de Castro propôs um modelo simples e poderoso para compreender a dinâmica histórica da cafeicultura brasileira, porém perfeitamente extensível à economia mundial. A chave estaria em enquadrar o deslocamento espacial da atividade a partir de três tempos que sempre configuravam, em um dado momento, diferentes zonas cafeeiras como pioneiras, maduras ou decadentes, tempos esses desiguais em suas trajetórias histórico-geográficas específicas porém permanentemente articulados pelo tempo unificado da economia mundial.15 Por fim, Emília Viotti da Costa: tal como Fernando Novais, essa notável professora do Departamento de História da USP foi pioneira no esforço de cruzar os aportes da concepção braudeliana do tempo histórico com o marxismo para dar conta da trajetória do escravismo brasileiro e americano na longa duração, a cada passo nutrindo um diálogo muito próximo com a obra de Jean-Paul Sartre.16 Ao me lançar no projeto de escrever uma história global do café e do trabalho compulsório, tarefa que sistematizei a partir de 2015, minha pretensão foi justamente a de ampliar, para todos os espaços mundiais abordados por Taunay, a perspectiva original que impulsionara Emília Viotti, combinando-a com uma moldura analítica próxima à de Barros de Castro. Ou, noutras palavras, fazer exatamente o que estava no artigo de balanço que escrevi com João Paulo no começo do Lab-Mundi: ao escrever a História Global na América Latina e no Caribe, devemos sempre dialogar com quem veio antes para, assim, não ficarmos reféns das viradeiras novidadeiras que movem a academia no Norte Global, e que, no mais das vezes, simplesmente vendem em um frasco novo um perfume que é velho. Em nossas atividades do Lab-Mundi, contudo, em momento algum lemos esses três autores. Como, então, as leituras realizadas nesses dez anos se relacionam à minha atual investigação? O espaço que me sobra é curto. Quem tiver mais interesse em meu projeto poderá ler uma descrição detalhada em um longo paper publicado em 2023 sob os cuidados do Bonn Center for Dependency and Slavery Studies, no qual procurei resumir seus argumentos 14 TAUNAY, Afonso d’E. História do Café no Brasil. Rio de Janeiro: DNC, 1939-1942 v. 15 CASTRO, Antonio Barros de. 7 ensaios sobre a economia brasileira. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1980. 2 v.; CASTRO, Antonio Barros de. “As maos e os pes do senhor de engenho”: dinamica do escravismo colonial. In: PINHEIRO, Paulo Sergio (org.). Trabalho escravo, economia e sociedade. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1984. 16 Ver COSTA, Emília Viotti da. Da Senzala à Colônia. São Paulo: Brasiliense, 1989; COSTA, Emília Viotti da. Coroas de Glória, Lágrimas de Sangue. A rebelião dos escravos de Demerara em 1823. São Paulo: Companhia das Letras, 1998; COSTA, Emília Viotti da. A dialética invertida: 1960-1990. In: COSTA, Emília Viotti da. A Dialética Invertida e Outros Ensaios. São Paulo: Ed. Unesp, 2014. p. 9-28.
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