Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

204 A transformação da China: autofortalecimento, modernização e crise alcançar ganhos econômicos.19 A China viveu essa história de maneira traumática. Além disso, o país incorporou-se à economia mundial capitalista por meio do endividamento externo e do comprometimento das receitas fiscais para o pagamento das dívidas contraídas em empréstimos e tratados com as potências estrangeiras. Como resultado, a carga fiscal suportada pelos chineses, especialmente pela agricultura chinesa, aumentou significativamente ao longo da segunda metade do século XIX.20 Como se vê, a incorporação da China não ocorreu por iniciativa de seus governantes, mas sim de forma traumática, posicionando o país numa condição periférica no contexto do desenvolvimento do capitalismo no longo século XIX. Esse processo teve início com a Guerra do Ópio em 1839 e, segundo a perspectiva do governo chinês, terminou em 1949.21 As linhas de força da incorporação chinesa podem ser observadas nos interesses comerciais das potências estrangeiras. As aberturas forçadas dos portos chineses, a atuação crescente dos missionários ocidentais, o comércio de mercadorias chinesas apreciadas no Ocidente (porcelana, seda, chá), a exploração de matérias-primas no interior do país como o carvão e o minério de ferro, demandando a construção de ferrovias, a introdução de mercadorias importadas no mercado chinês, sendo o ópio o exemplo mais evidente, a drenagem de prata para as mãos de comerciantes imperialistas, enfim, todas essas práticas do capitalismo imperialista construíram circuitos de mercadorias que vincularam a China à economia mundial, fazendo com que o país asiático perdesse o controle sobre sua soberania. O comércio da China com os estrangeiros, anteriormente centrado no eixo Macau-Cantão, reconfigurou-se no século XIX, a partir da Primeira Guerra do Ópio, num processo de agressões e tratados que subjugaram o país. Como um país atrasado em um sistema interestatal cada vez mais global, violento e economicamente disputado, muitos homens influentes da dinastia Qing começaram a perceber a necessidade de se adaptar a essa nova realidade. Ainda na década de 1860, durante o reinado do imperador Tongzhi (1861-1875), muitos membros da burocracia imperial debateram seriamente estratégias para fortalecer a China. Um deles, o militar Zeng Guofan (18111872), que participou da repressão à Rebelião dos Taiping, reconheceu a im19 VRIES, Peer. State, economy and the great divergence: Great Britain and China, 1680’s-1850’s. London: Bloomsbury, 2015; LUXEMBURGO, Rosa. A acumulação do Capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2021. Importante sublinhar que o Japão e os Estados Unidos, dentro de suas particularidades, seguiram por um caminho semelhante na sua atuação imperialista. Para o caso do Japão, consultar o recente trabalho de Vries. VRIES, Peer. Averting the Great Divergence. State and Economy in Japan, 1868-1937. London, Bloomsbury, 2020. 20 ZHIHONG, op. cit., p. 86-87; DARWIN, John. The Empire Project: the Rise and Fall of the British World-System, 1830-1970. New York: Cambridge University Press, 2009. p. 132-133; LUXEMBURGO, op. cit., p. 417-445. 21 WANG, op. cit.; MAHBUBANI, op. cit..

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