Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

205 Marco Aurélio dos Santos portância de aprender com o “intelecto dos bárbaros”, como ele próprio se expressou. Durante a guerra civil contra os Taipings, Zeng impressionou-se com a eficiência dos armamentos dos “bárbaros” ocidentais, especialmente na defesa da Xangai, no início da década de 1860. Influente junto à imperatriz- -viúva Cixi que governava a China após liderar um golpe de Estado em 1861, Zeng tentou implementar políticas para modernizar o país. Em 1864, ele enviou Yung Wing aos Estados Unidos para adquirir material para construir um arsenal militar. Chegando nos momentos finais da Guerra Civil Americana, Yung conseguiu que a Putnam Machine Company, de Fitchburg, Massachusetts, supervisionasse e orientasse a construção. Com a chegada da maquinaria em Xangai, a China iniciou de modo prático seu esforço de autofortalecimento, como passou a ser conhecida a estratégia chinesa de procurar superar seu atraso econômico frente às demais potências globais. Posteriormente, na mesma década, um segundo arsenal foi construído em Fuzhou, na província de Fujian. A ajuda de engenheiros ocidentais, a fundação de escolas próximas a esses arsenais, a tradução de obras ocidentais e o interesse crescente pelas técnicas da Revolução Industrial motivaram alguns burocratas chineses a promoverem uma estratégia de aprendizado das técnicas ocidentais a partir da década de 1860. Durante a guerra contra os Taipings, vários chineses em posição de comando reconheceram a superioridade da tecnologia bélica ocidental e tentaram implementá-la na China. Todos eles tinham algum vínculo com Li Hongzhang ou com o príncipe Chun. O autofortalecimento, nesse contexto, estava fortemente ligado aos investimentos em tecnologia armamentista ocidental e aos métodos ocidentais de seleção e treinamento de pessoal, visando a manter a ordem interna e proteger-se contra possíveis agressões externas.22 Contudo, os chineses responderam a esses desafios de modo precário e limitado. Em muitos sentidos, eles fracassaram. Porém, como se vê com o exemplo de Zeng Guofan, desenvolveu-se entre políticos chineses a percepção de que era preciso aprender com o Ocidente e que o governo deveria promover políticas públicas que levariam a um “autofortalecimento” do país. Desse modo, o princípio de “aprender com o Ocidente” tornou-se um modelo para uma série de programas reformistas implementados a partir da década de 1860.23 A partir de então, várias ações políticas foram executadas para fazer com que a China pudesse fazer frente aos países ocidentais. Entre elas, podemos citar, sem pretender esgotar o número de medidas colocadas em prática, a melhoria das receitas 22 KUO, Ting-Yee; LIU, Kwang-Ching. Self-strengthening: the pursuit of Western technology. In: TWITCHETT, Denis; FAIRBANK, John K. The Cambridge History of China. Late Ch’ing, 18001911. Cambridge: Cambridge University Press, 1978. v. 10. part. 1. p. 497; 519-520; SPENCE, op. cit., p. 205-206. 23 O imperador Tongzhi governou de 1861 a 1875. Entretanto, durante a maior parte de seu governo, a imperatriz-viúva Cixi foi quem efetivamente implementou as diretrizes da incorporação que a China foi compelida a aceitar.

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