207 Marco Aurélio dos Santos destacou a crônica falta de coordenação entre o aprendizado e a habilidade prática na China como um obstáculo ao avanço tecnológico. Em sua crítica, Li enfatizou que, enquanto os estudiosos chineses se dedicavam ao saber tradicional, os soldados eram, por outro lado, “rudes e ignorantes”. Assim, o conhecimento adquirido não era aplicado na produção de armamentos e máquinas ou em outras áreas. Li concluiu que, ao contrário dos estrangeiros, que há séculos valorizavam o estudo de armas de fogo tanto quanto o estudo do corpo e da mente, os chineses não tinham essa qualidade, resultando na fragilidade da China frente às agressões ocidentais.26 Portanto, diversos homens influentes da dinastia Qing começaram a pensar a realidade da China frente a um sistema interestatal competitivo. Vê-se que a estratégia para impulsionar o processo de modernização envolveu a possibilidade de o país atrasado absorver de modo produtivo a reserva de inovações tecnológicas de “países avançados”. Nesse sentido, na busca pela modernização, a China competiu com países mais adiantados e outros em desenvolvimento, submetendo-se a alguns deles e sendo condicionada por suas práticas.27 Para que a modernização se realize, é essencial que o país possua um background ecológico-econômico e conte com uma “dotação de recursos naturais” ou um “alívio ecológico”, como escreveu Pomeranz. Além disso, faz-se necessário eliminar os obstáculos institucionais, exigindo uma reconfiguração quase revolucionária do Estado no sentido de vencer a oposição e garantir a implementação das reformas modernizadoras. Esses pontos mostram as dimensões relacional e dispendiosa do atraso e sabe-se que a China encontrou dificuldades em todos eles.28 Ademais, a própria lógica de “aprender com o Ocidente” apresentava suas armadilhas, porque, para se modernizar, o país adotava como estratégia a compra de tecnologia adventícia, importando capitais e aumentando com isso sua dependência financeira frente às potências imperialistas. Tudo isso agudizou a condição de atraso da China. De qualquer forma, desde pelo menos a década de 1860, intelectuais e burocratas chineses começaram a abraçar a noção de modernização, defendendo a aplicação prática do conhecimento e das técnicas do Ocidente. Esse processo foi denominado autofortalecimento. Simultaneamente, eles tentaram preservar, de maneira instável e crítica, os ensinamentos chineses como um “fundamento constitutivo”, como teorizado por intelectuais como Feng Guifen (1809-1874) e Zhang Zhidong (1837-1909). O primeiro foi um dos críticos do sistema de exames imperiais, devido aos seus conteúdos inúteis e 26 KUO; LIU, op. cit., p. 498. 27 GERSCHENKRON, Alexander. O atraso econômico em perspectiva histórica e outros ensaios. Rio de Janeiro: Contraponto; Centro Internacional Celso Furto, 2015. 28 GERSCHENKRON, op. cit., p. 70; 109; POMERANZ, op. cit.
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