Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

21 Rafael de Bivar Marquese centrais e seu quadro teórico e metodológico mais amplo.17 Para encerrar, vou listar muito rapidamente o que estou carregando de nossas leituras conjuntas. A listagem está longe de ser exaustiva: arrolo aqui apenas aquelas que se mostram absolutamente indispensáveis para minha investigação. Primeiro: o conceito da economia-mundo e a distinção metodológica entre unidade de análise e unidade de observação. O projeto se estrutura em torno do exame do que estou denominando como economias globais do café. Identifiquei, ao longo da pesquisa, três delas. Inspirada no conceito de economia-mundo tal como formulado por Braudel e Wallerstein e, também, no conceito de complexos histórico-geográficos de Magalhães Godinho,18 a expressão “economia cafeeira global” não equivale a um mercado cafeeiro que cubra necessariamente todo o planeta. Afinal, isso só aconteceu ao longo da segunda metade do século XX. De forma próxima à definição de economia- -mundo de Braudel e Wallerstein, com o conceito de economia cafeeira global pretendo apenas lançar luz sobre complexos histórico-geográficos de vasta amplitude espacial que envolveram uma clara divisão entre zonas de produção e zonas de consumo articuladas por certas formas de poder político-econômico que se reproduziram na longue durée. Da mesma forma, a unidade de análise da pesquisa é dada pelas economias-mundo com as quais trabalho (a tributária-mercantil otomana e a capitalista europeia), sendo as unidades de observação representadas pelos espaços específicos que constituíram cada economia global do café. Segundo: a teorização do tempo histórico oferecida por Fernand Braudel e Reinhart Koselleck. O projeto opera com números ordinais que servem de marcadores temporais e conceituais para os grandes blocos de tempo que estão sendo examinados. Assim, falo em uma primeira (c.15501730), uma segunda (c.1650-1815) e uma terceira economias globais do café (c.1790-1914), ou, então, em uma primeira e uma segunda escravidão. Esses marcadores não assinalam momentos que se sucedem linearmente, o segundo substituindo integralmente ao primeiro, o terceiro ao segundo e assim por diante. Em realidade, eles assinalam a existência de estruturas históricas – as 17 MARQUESE, Rafael de Bivar. Asymmetrical Dependencies in the Making of a Global Commodity: Coffee in the Longue Durée. Berlin: EB Verlag, 2023. Se tudo correr bem, a pesquisa aí sumariada resultará em um livro intitulado Grão Amargo: uma História Global do Café e da Escravidão, a ser publicado pelo Selo Crítica da Editora Planeta em 2027. 18 Quem primeiro propôs o conceito de economia-mundo foi Fernand Braudel (BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época de Felipe II. São Paulo: Martins Fontes, 1982. 2 v., v. 1, p. 417-418), a nova leitura conjunta que começamos no em março de 2024. Wallerstein, no primeiro dos livros citados na nota 8, publicado em 1974, conferiu maior sistematicidade ao conceito, que como tal foi reincorporado por Braudel poucos anos depois (BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo, séculos XV-XVIII. São Paulo: Martins Fontes, 1996. 3 v., especialmente v. 3, O Tempo do Mundo, p. 12-74). Para o conceito de complexos histórico-geográficos, ver GODINHO, Vitorino Magalhães. Os Descobrimentos e a Economia Mundial. Lisboa: Editorial Presença, 1981-1982. 4 v., v. 4, p. 207-222.

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