213 Nicolás Alejandro González Quintero uma alternativa para compreender as transformações geradas pela Revolução Haitiana: a luta entre as autoridades francesas, as lideranças negras e os ex-escravizados sobre os significados de liberdade e trabalho assalariado, especialmente após a abolição geral da escravidão em 1793. Souza de Rodriguez demonstra claramente o conflito. Por um lado, as autoridades francesas e, após, as lideranças negras como Toussaint Louverture queriammanter o sistema de plantações com o objetivo de exportar commodities e sustentar a economia da guerra. Portanto, criarammecanismos de controle sobre os ex-cativos, obrigando-os a permanecer nas plantações, já não como escravizados, mas como trabalhadores assalariados. Isso era, claramente, inaceitável para os ex-escravizados, pois tinham outra concepção de liberdade e do que significava o trabalho assalariado. Para eles, a liberdade significava abandonar o trabalho compulsório nas plantações e estabelecer um modo de vida camponês no qual conseguiram ser independentes do trabalho assalariado. O debate é evidente: enquanto as autoridades francesas e as lideranças negras queriam manter um sistema de escravidão sem escravidão, os ex-escravizados desejavam estabelecer um sistema que não os obrigasse a fazer parte da economia de plantações ou a depender do trabalho assalariado. O primeiro grupo queria continuar com a estrutura do passado. O segundo queria construir um sistema novo baseado em sua própria experiencia na África e no Caribe. Dois sistemas, dois conceições do tempo e do trabalho distintas. O argumento de Souza de Rodríguez é fascinante e traz um novo elemento para entender a Era das Revoluções: precisamos estudar a disputa sobre ideias de liberdade além das conceições exclusivamente políticas. Além disso, precisamos entender as disputas sobre regimes de trabalho além da dicotomia entre trabalho escravo e trabalho assalariado. As nuances dessas discussões, como mostra Souza de Rodríguez, revelam as divergências que as autoridades francesas, as lideranças negras e os ex-escravizados tinham sobre o que devia ser uma economia e uma sociedade pós-escravista. Porém, ficam algumas perguntas para a discussão e para ampliar a pesquisa. Por exemplo, o que pensavam os grupos de afrodescendentes livres antes da revolução sobre essa disputa em torno da concepção do trabalho assalariado? Fizeram parte da discussão e, se foi assim, quais foram seus argumentos? Igualmente, existiu alguma defesa do trabalho assalariado por parte dos ex-escravizados após a restauração da escravidão em 1803? Finalmente, se um dos principais motivos para manter a economia de plantação sem escravidão foi preservar o papel de Saint-Domingue no mercado mundial, quais foram os planos das lideranças negras após a independência e a abolição definitiva da escravidão? Bruno da Fonseca da Miranda também aprofunda nesses temas, mas num cenário distinto: o Brasil do final do século XIX. Fonseca da Miranda, assim como Souza de Rodriguez, enfatiza no convívio de diferentes tempos históricos no momento da crise do sistema escravista. Segundo ele, o tempo da
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