Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

214 Disputa de temporalidades. Comentário às reflexões teóricas sobre o tempo no Lab-Mundi escravidão e o tempo da liberdade conviveram no Brasil durante tudo o século XIX. Fonseca da Miranda mostra que o surgimento da segunda escravidão nos Estados Unidos, Brasil e Cuba, assim como a participação de inversores internacionais, especialmente ingleses, no desenvolvimento dos sistemas escravistas, foi a principal característica do tempo da escravidão. Fonseca da Miranda destaca que, apesar do aumento do abolicionismo na Inglaterra, os capitalistas ingleses não hesitaram em comprar as matérias-primas produzidas nos Estados Unidos, Brasil e Cuba. As ideias abolicionistas cresciam no Mundo Atlântico, mas não foram capazes de deter o crescimento da escravidão nas regiões antes mencionadas. A Guerra Civil e o fim da escravidão nos Estados Unidos, porém, mudaram tudo. As críticas à escravidão aumentaram e as classes senhoriais no Brasil foram forçadas a estabelecer a Lei de Ventres Livre em 1871 como uma resposta à pressão internacional. O objetivo, segundo Fonseca da Miranda, era prolongar o fim da escravidão o máximo possível. Mas as crescentes pressões externas, assim como a expansão do abolicionismo no Brasil, levaram não só a uma fratura entre as elites brasileiras e o Estado imperial, mas também à ideia de substituir o trabalho escravo pelo trabalho assalariado e coercitivo de ex-escravizados e imigrantes. Assim como Rodriguez Sousa, Fonseca da Miranda nos mostra que a coexistência de distintos tempos foi fundamental para o surgimento do trabalho assalariado em sociedades pós-escravistas. O texto de Fonseca da Miranda demonstra como as fraturas no convívio de diferentes tempos desempenharam um papel chave no fim da escravidão no Brasil. Fonseca da Miranda enfatiza várias vezes que ambos os tempos convivem e se sobrepõem. Mas, como fazemos para não absolutizar esses tempos e considerá-los como radicalmente diferentes? Os tempos convivem, mas, ao mesmo tempo não são constitutivos entre si? Por exemplo, Rafael Marquese e Marcia Berbel demonstraram que a falta de uma linguagem racial na constituição brasileira de 1824 foi fundamental para a expansão da escravidão no Brasil.4 Um discurso de liberdade, portanto, ajudou no crescimento do sistema escravista no novo império brasileiro. Finalmente, é importante considerar a dimensão espacial dessa ruptura do tempo. O tempo da liberdade avançou mais rápido em algumas regiões do que em outras? O tempo da escravidão foi igual em todo o Brasil? Se as pesquisas de Rodríguez de Sousa e Fonseca da Miranda ilustram o que acontece quando conceições distintas do tempo e do trabalho colidem, a pesquisa de Gianfranco Caterina ilumina como os processos de aceleração técnica afetaram a experiencia do espaço-tempo e os processos de mudança social no século XX, especialmente na União Soviética. Assim como Pimenta, 4 BERBEL, Márcia Regina; MARQUESE, Rafael de Bivar. The absence of race: slavery, citizenship, and pro-slavery ideology in the Cortes of Lisbon and the Rio de Janeiro Constituent Assembly (1821-4). Social History, v. 32, n. 4, p. 415-433, 2008. DOI: https://doi.org/10.1080/03071020701616746

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