Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

219 Nicole L. Bianchini históricos (ou estratos do tempo) implica conceber a imagem como objeto e representação. Enquanto objeto, a imagem é fruto de circuitos comerciais próprios, circunscritos à tradição pictórica em que esteve colocada, reforçando-a ou subvertendo-a. Tal tradição é historicamente constituída e composta por elementos sociais, religiosos, econômicos e culturais, além de inserida em uma temporalidade longa que nem sempre coincide com aquela do surgimento e popularização de novos gêneros artísticos, possibilitando uma análise diacrônica e sincrônica, não necessariamente vinculada a uma dimensão específica. Enquanto representação, as imagens são a etapa final dos circuitos de produção, circulação e consumo de novos artigos importados durante a primeira modernidade. Isso porque, ao inserir as bebidas estimulantes em diferentes formas de interpretação da realidade, reforçam ou atribuem-lhe novos sentidos, enquanto dialogam com transformações de diferentes escalas e temporalidades produzidas nos vários pontos dos circuitos das mercadorias. Como parte dessa relação dialética, a produção imagética vai além da interação entre as dimensões mentais e materiais do consumo de estimulantes, para também ser parte da construção de perspectivas de futuro e elaboração de experiências de diferentes sociedades europeias. Para tanto, as imagens de consumo foram estudadas como um grande conjunto temático e serializado, compreendendo diferentes suportes e gêneros, assim como fenômenos visuais próprios relacionados ao seu contexto de produção e consumo. Destacam-se aqui o funcionamento do mercado artístico, a posição social do artista, os circuitos das commodities e estruturas sociais, econômicas, políticas e religiosas dos espaços de produção dessas imagens, buscando-se entender a complexidade do período e das representações analisadas.2 Esse procedimento começa pelas escolhas cronológicas, temáticas e geográficas. Mudanças culturais, como a alimentação, são processos longos que lidam com estruturas arraigadas em sociedades diversas e que foram formadas em tempos que ultrapassam gerações, ligadas a condições como geografia, possibilidades biológicas e capacidade produtiva da terra.3 Assim, a novidade que o café, chá e chocolate apresentaram aos consumidores europeus caracterizou-se pela ampliação das possibilidades alimentares desses povos, profundamente condicionadas a circuitos comerciais globais. Nisso, estão inclusas a competição econômica-comercial europeia, a atuação de intermediários de diferentes origens, cargas fiscais sobre o fluxo de mercadorias, cargas 2 MCMICHAEL, Philip. Incorporating Comparison within a World-Historical Perspective: An Alternative Comparative Method. American Sociological Review, v. 55, n. 3, p. 385-397, 1990. p. 386. 3 BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

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