Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

22 Um balanço pessoal sobre a primeira década do Lab-Mundi/USP (2013-2023) economias globais do café / a escravidão – que se sobrepõem temporalmente. Em cada onda de expansão que marcou a passagem de uma economia global do café para outra, o novo “espaço-líder” estabeleceu as novas condições de operação dos espaços que lhe haviam precedido, ao mesmo tempo em que condicionava aqueles que lhe eram contemporâneos. Foi o que se passou com Saint-Domingue (espaço-líder da segunda economia global do café) em relação ao Iêmen (o espaço produtor que monopolizou a oferta na primeira economia global do café) e ao Suriname (espaço ancilar dentro da segunda economia global do café), ou com o Vale do Paraíba (espaço-líder da terceira economia global do café) em relação a Haiti, Jamaica e Cuba, no Caribe (espaços antigos da segunda economia), e a Java / Ceilão, no Oceano Índico (espaços ancilares da terceira economia global do café). Para dar conta dessas sobreposições espaço-temporais, não vejo melhor caminho do que a pletora de perspectivas e conceitos trazidos por Braudel e Koselleck (dialética das durações; estrutura/evento; estratos de tempo; simultaneidade do não-simultâneo), e que tanto nos ocuparam em nossas discussões coletivas ao longo de todos esses anos.19 Terceiro: o método progressivo-regressivo de Jean-Paul Sartre. Para destacar apenas seu emprego mais imediato, ele me está sendo decisivo para ajudar a estabelecer as devidas mediações entre, por um lado, os espaços muito específicos das unidades produtivas cafeeiras que formavam cada uma das economias globais do café e, por outro, os complexos histórico-geográficos muito mais vastos que essas economias representavam. Com isso, torna-se possível dar conta desde a dinâmica da luta de classes em localidades muito particulares até o ordenamento mais amplo das formas estatais e interestatais em que se inscreviam aqueles conflitos. O cerne do método de Sartre está justamente em pressupor um permanente “vaivém” entre o geral e o particular, entre o abstrato e o concreto, entre a estrutura e o evento, entre a longa e a curta duração, entre os fluxos gerais da história e a esfera da biografia, tomada como produtora e produto de seu tempo.20 Como pudemos notar pela leitura do dossiê da Past & Present, o método sartreano permite resolver com notável elegância os falsos debates sobre o problema da escala que polarizam a micro- -história e a História Global.21 19 BRAUDEL, Fernand. História e Ciências Sociais: a Longa Duração. In: BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a História. São Paulo: Perspectiva, 1978; KOSELLECK, Reinhart; Futuro Passado. Contribuiço a semantica dos tempos historicos. Rio de Janeiro: Contraponto; Ed. PUC-RJ, 2006; KOSELLECK, Reinhart. Estratos do Tempo. Estudos sobre a Historia. Rio de Janeiro: Contraponto. Ed. PUC-RJ, 2014. 20 SARTRE, Jean-Paul. Questao de Metodo. In: SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo e um humanismo / A imaginaço / Questao de Metodo. Trad. Bento Prado Jr. Sao Paulo: Abril Cultural, 1978. p. 109-191. 21 Ver, em especial, os artigos contrastantes de Jan de Vries (VRIES, Jan de. Playing with Scales: The Global and the Micro, the Macro and the Nano. Past & Present, v. 242, supl. 14, p. 23-36, nov. 2019) e Giovanni Levi (LEVI, Giovanni. Frail Frontiers? Past & Present, v. 242, supl. 14, p. 37-49, nov. 2019).

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