Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

222 Representações visuais de consumo de bebidas estimulantes, 1630-1815 Essa diferença de tempos deve ser levada em conta quando pensamos em termos conjunturais, tanto do mercado artístico de cada país quanto da relação que cada um estabeleceu com as commodities representadas. Uma forma de ver essas especificidades é a criação de subséries temáticas de imagens, nas quais pode-se observar a incorporação das bebidas à imagética em relação com sua aclimatação ao conjunto de hábitos alimentares e culturais europeus. Nos casos dos cafeinados, há uma relação direta entre os tempos da sua incorporação a visualidade e os tempos das suas cadeias comerciais. Antes que europeus consumissem essas bebidas ou produzissem imagens sobre elas, café, chá e chocolate já circulavam, material e visualmente, em seus contextos de origem. O café era parte de circuitos comerciais otomanos, o chá tinha ampla história na China e Japão e o chocolate integrava circuitos comerciais e culturais de povos americanos.10 As estratégias de apropriação desses artigos à economia europeia também seguiam padrões longos, derivados da ideia de manutenção do equilíbrio de balanças comerciais e da maximização do lucro a partir da exploração das colônias.11 Estas, ainda, estavam interligadas às dinâmicas da competitividade entre os Estados europeus, que, como demonstrou Arrighi tratando das mudanças hegemônicas na longa duração, extrapolavam fronteiras nacionais. Dentro desse contexto mais amplo, a exploração colonial do cacau, o aumento da presença europeia nos circuitos comerciais levantinos e as dinâmicas dos seus interesses comerciais com a China, também impactaram na formação de seus mercados consumidores na Europa de modo geral.12 A incorporação definitiva dos cafeinados nos circuitos econômicos e culturais europeus segue um processo de temporalidade longa que iniciou, no caso do cacau, nos primeiros contatos entre colonizadores espanhóis e populações indígenas americanas. Depois, entre o fim do século XVI e meados do XVII, café e chá passaram por processos semelhantes, mas nenhuma das três era nova nos seus contextos de origem, tampouco foram os únicos projetos de aclimatação aos espaços coloniais ou em outros territórios no Novo Mundo. Mesmo os eventos anedóticos mais frequentemente citados para explicar o contato da nobreza europeia com o café e o chá têm bases estruturais. do chá em obras como Portrait de Marc-Etienne Quatremère et sa famille, de Nicolas-Bernard Lépicié (1780) e, depois, Portrait of the Family of Adrianus Bonebakker with Dirk L. Bennewitz, de Adriaan de Lelie (1809). Na arte ibérica do século XVIII, vêm-se dois exemplos: O painel cerâmico “La Xchocolata”, de 1710, e “D. João V bebendo café e chocolate”. 10 Todos produziram imagens de consumo dessas bebidas. 11 LA ROQUE, Jean de. Voyage de l’Arabie heureuse par l’Océan oriental et le détroit de la mer Rouge [...]. Paris: A. Cailleau, 1716. 12 ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. Rio de Janeiro: Contraponto; UNESP, 2006.

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