Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

223 Nicole L. Bianchini O casamento de Charles II e Catarina de Bragança, por exemplo, é creditado como o momento em que a corte Stuart teria conhecido o chá. Tal casamento fez parte de acordos comerciais e de transferência colonial, via o dote da futura rainha, que visavam fortalecer a monarquia recém-restaurada de Portugal em relação aos ataques holandeses e franceses que vinham sofrendo na Ásia e na América. No caso do café, muito se fala sobre a visita do embaixador otomano Suleiman Aga, cuja comitiva teria trazido a bebida popular no oriente médio e apresentado aos franceses. A visita foi parte de esforços de Louis XIV e de Colbert de aproximação com os otomanos para enfrentar as competições intereuropeias e impulsionar a economia francesa.13 Nesse momento também surgem muitos tratados importantes sobre as bebidas, bem como relatos de viajantes ao Levante que ajudaram na disseminação do seu conhecimento e no interesse pelo seu consumo.14 Essas conformações estruturais e suas transformações impactaram na disponibilidade de café, chá e chocolate nos mercados europeus e, portanto, no nível de interesse que cada sociedade teve nas bebidas a ponto de começar a representá-las artisticamente. O chocolate, largamente consumido na Nova Espanha e, em menor escala, na corte metropolitana durante os séculos XVII e XVIII, foi pouco representado visualmente nas mesas europeias15. Nos exemplares encontrados até o momento dessa produção, o que prevaleceu durante todo o período abarcado foram as representações aristocráticas de consumo, produzidas sobre e para setores cortesãos tanto ibéricos como franceses. No mesmo período, chá e café seguem padrões semelhantes de representação, ligados às diferentes modalidades de engajamento com a ideia de “oriente”16 que circularam nesse período. Essas dinâmicas culturais e simbólicas podem ser vistas em atuação em Traitez Nouveaux et Curieux du thé, du café et du chocolate, de autoria do médico francês Philippe Dufour. O volume, que teve duas edições e foi amplamente traduzido para vários idiomas (inclusive o inglês, o português e o espanhol), tem em seu frontispício uma representação alegórica de três consumidores e suas bebidas (fig 1). Ele, uma raridade para um período 13 SPARY, E. C. Eating the Enlightenment: food and the sciences in Paris. Chicago: The University of Chicago Press, 2012. p. 55-56. 14 DUFOUR, Philippe Sylvestre. Traitez nouveaux et curieux du café, du thé et du chocolate [...]. Lyon: Chez Jean Baptiste Deville, 1688; CHAMBERLAYNE, John. The Natural history of coffee, thee, chocolate, tobacco. London: Printed for Christopher Wilkinson at the Black Boy over against St. Dunstan’s church in Fleetstreet, 1682. 15 Há, segundo Norton, uma quantidade importante de naturezas-mortas que o cacau/chocolate. Entretanto, o mesmo não se pode afirmar, até o momento, para imagens de consumo da bebida. 16 DEGENHARDT, J. H. Cracking the Mysteries of “China”: China(ware) in the Early Modern Imagination. Studies in Philology, v. 110, n. 1, p. 132-167, 2013; DEW, Nicholas. Orientalism in Louis XIV’s France. Oxford: Oxford University Press, 2009; JOHANYAK, D.; LIM, W. S. H. (org.). The English Renaissance, Orientalism, and the Idea of Asia. New York: Palgrave Macmillan, 2010; MCCABE, I. Orientalism in early modern France: Eurasian trade, exoticism and the Ancien Régime. Oxford; New York: Berg, 2008.

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