Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

226 Representações visuais de consumo de bebidas estimulantes, 1630-1815 Os pontos de virada da produção imagética e do comércio das três commodities coincidem na década de 1720, em que a produção colonial de café começou a dar seus primeiros frutos, afetando a disponibilidade e variedade dos grãos no mercado europeu, e que os primeiros entrepostos ingleses e holandeses puderam ser abertos no porto do Cantão, eliminando uma cadeia de intermediários que até então permeavam o transporte de chá e outros produtos locais para o ocidente.22 É nesse momento também que começa o favorecimento fiscal, por parte do governo espanhol, da companhia de Caracas em detrimento da de Guayaquil, acirrando a competição pelo comércio de cacau da América para fornecimento local e da metrópole.23 O impacto dessa mudança estrutural não pode ser exagerado, já que não houve nenhuma ampliação significativa que englobasse setores trabalhadores das sociedades europeias, por exemplo. Contudo, desigualdades importantes surgem a partir daí, que reverberam na quantidade e tipo de imagem que passou a ser produzida sobre os cafeinados. A partir do início do século XVIII, ocorre um arranque na produção imagética do noroeste europeu em relação àquela da Península Ibérica. Impulsionado pelo crescimento dos setores comerciais urbanos e pela relativa estabilização do pós-revolução gloriosa, a Inglaterra se torna terreno fértil para uma ampliação do mercado artístico e do consumo de vários bens de luxo, dentre eles os estimulantes cafeinados.24 Ensinados por mestres holandeses, em diálogo com colegas e referenciais continentais franceses e italianos, uma geração de pintores britânicos se formou e angariou novos clientes interessados em representações familiares que incorporassem a prosperidade representada pela materialidade importada.25 Enquanto isso, corriam dois cenários distintos no continente e na Península Ibérica que gestaram outros contextos artísticos e, por sua vez, moldaram de modo diferente a presença de estimulantes na visualidade. Nos Países Baixos e na França, convenções artísticas tinham um substrato mais consolidado, seja na forma das antigas guildas artísticas ou da própria Academia Real francesa, o que pode explicar a relativa demora em incorporar os cafeinados nas suas obras. Na Península Ibérica, onde o consumo de estimulantes não se popularizou com a mesma força que no noroeste europeu, as temáticas e modelos de representação italianos prevaleciam no mundo 22 CLARENCE-SMITH; TOPIK, op. cit., p. 36-37. 23 MELO, André Luiz Sales. Dentro e fora do exclusivo colonial: a circulação do cacau-chocolate na Era Mercantilista (séculos XVI a XVIII). In: MARQUES, Leonardo; GEBARA, Alexsander (org.). História das mercadorias: trabalho, meio ambiente e capitalismo mundial (séculos XVI-XIX). São Leopoldo, RS: Casa Leiria, 2023. p. 181-214. 24 MCKENDRICK, Neil; BREWER, John; PLUMP, J. H. The Birth of a Consumer Society: The Commercialization of Eighteenth-Century England. Bloomington: Indiana University Press, 1982, dentre outros. 25 RETFORD, op. cit., 2017.

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