Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

23 Rafael de Bivar Marquese Quarto: a perspectiva do historicismo realista descrita e analisada por Esteve Morera.22 Esta leitura, na realidade, serviu-me antes de tudo para adquirir uma consciência mais clara do que significa escrever história, e em que medida a busca da saída da contraposição nomotético x ideográfico por meio da concepção de um historicismo realista pode nos ajudar na consecução do projeto de uma História Global no sentido que Braudel lhe dava, isto é, como História Total. Não uma totalidade por adição, mas por relação; não totalidades fechadas, mas totalidades abertas.23 A totalidade por adição foi a que informou grande parte da produção historiográfica associada à segunda geração dos Annales, mas não a praticada por Braudel, muito mais afinado à sua busca de totalidades por meio de suas relações substantivas, isto é, pela investigação de fragmentos do globo integrados por meio de laços diversos (econômicos, sociais, políticos, culturais) que assumiram uma dada configuração dinâmica e sistêmica. A prática da escrita da história de Fernand Braudel – tomada por Morera como um dos mais bem acabados exemplos de historicismo realista – procurou dar conta dessas totalidades por relação (ou totalidades abertas) por meio de sua teoria dos tempos históricos plurais, a mesma que o levou a conceituar a economia-mundo capitalista, e que serviu de inspiração direta para a perspectiva do sistema-mundo. Como se pode perceber, o que carrego do Lab-Mundi comigo não é pouco. Tudo o que fiz nos últimos dez anos é absolutamente indissociável de nosso trabalho conjunto dentro dele. Por tudo isso, do meu ponto de vista vale a pena insistir para que ele tenha mais uns dez aninhos de vida. E depois mais dez. E, então, se o Brasil, o Sistema Mundial e a USP continuarem a existir, chegará o momento de me aposentar. Referências BECKERT, Sven. Empire of Cotton. A Global History. New York: Knopf, 2014. BERBEL, Márcia; MARQUESE, Rafael; PARRON, Tâmis. Escravidão e Política. Brasil e Cuba, 1790-1850. São Paulo: Hucitec-Fapesp, 2010. BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época de Felipe II. São Paulo: Martins Fontes, 1982. 2 v. BRAUDEL, Fernand. Civilização Material, Economia e Capitalismo, séculos XV-XVIII. São Paulo: Martins Fontes, 1996. 3 v. 22 MORERA, Esteve. Gramsci’s Historicism: a realist interpretation. London: Routledge, 1990. 23 Aqui me reporto a duas outras referências que ainda não tivemos oportunidade de discutir coletivamente no Lab-Mundi: KOSIK, Karel. Dialética do Concreto. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1969 (para a contraposição adição x relação); LEFEBVRE, Hena notion de totalité dans les Sciences Socialeahiers Internationaux de Sociologie, v. 18, p. 55-77, jan./jul. 1955 (contraposição fechada x aberta).

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