246 A Guerra de Sessenta Anos. A região-mundo platina e as causas do conflito de 1864 Numa abordagem menos episódica, no entanto, se as vias da paz condicionam conflitos futuros, havia boa dose de razão para encerrar o problema de 1864 somente com a captura ou morte de López. Em outros termos, a decisão do imperador – que foi também a do gabinete de Itaboraí – remetia indiretamente às experiências frustradas do Brasil quanto à manutenção duradoura da paz no Prata. A vitória contra López, sem exceções ou concessões, era a melhor garantia para eventualmente reabilitar a estabilidade que o Império alcançara na década de 1850 – não à toa, um tempo platino que condicionou, pela via orçamentária em primeira instância, a consolidação da ordem conservadora espraiada nacionalmente a partir do Rio de Janeiro. Se o impasse de 1827 com a presidência argentina de Bernardino Rivadavia havia redundado na emergência desafiadora de Juan Manuel de Rosas na década seguinte – ou se os tratados de 1851 comMontevidéu não haviam assegurado o afastamento definitivo de uma ala partidária brasilófoba no Uruguai –, as vias da paz com o Paraguai deveriam constituir um recado ríspido o suficiente para refrear o surgimento de novos adversários platinos. Em certo sentido, assim foi. Depois do 1º de março de 1870, o Império não se envolveu mais em conflitos armados no Prata, que tampouco se caracterizou por novas guerras internacionais em seu solo. Menos coincidente, não obstante, foi a história da região-mundo platina antes de 1870, que, à diferença do Brasil, esteve em guerra permanente. Dos conflitos entre o Cabildo Abierto de Buenos Aires contra a sede do Vice-Reino do Rio da Prata transmigrada para Montevidéu em meio às invasões joaninas, renovadas ao término da década de 1810, quando Artigas propunha pelas armas a Liga dos Povos Livres; às disputas pela Cisplatina na década de 1820, cujos resultados entrecruzaram os farrapos da década de 1830 ao conflito civil no Uruguai, nesta longa lista, conduzido mediante o apoio de Juan Manuel de Rosas, efetivamente, não houve paz da independência do Paraguai à fragmentação da Argentina em dois Estados soberanos. E sequer na década de 1850, visto que em sua segunda metade o governo da nova Confederação Argentina colidiria, procurando para si o apoio de Assunção, com o Estado de Buenos Aires, descontente, como o Brasil, com a renovação da beligerância interna no Uruguai.4 Tomando-a como uma unidade de análise, e apenas assim, a região- -mundo platina viveu no século XIX uma Guerra de Sessenta Anos (1810-1870), cujas partes estiveram nela envolvidas a partir de seus respectivos interesses de 4 Único episódio armado internacional, com exceção da Guerra das Malvinas (1982), envolvendo o solo platino após 1870, a Guerra do Chaco (1932-1935) originou-se de tensões lindeiras – e eventualmente petrolíferas – entre o Paraguai e a Bolívia. Certamente não se inscreveu no tempo longo das dinâmicas geopolíticas que caracterizaram, como se verá a seguir, a região-mundo platina no século XIX. Para uma síntese dos conflitos platinos no século XIX, ainda que analisados em perspectiva mais militar- -diplomática do que nos quadros de uma região-mundo, ver: RICUPERO, Rubens. A diplomacia na construção do Brasil, 1750-2016. Rio de Janeiro: Versal Editores, 2017. p. 77-253; e DORATIOTO, Francisco. O Brasil no rio da Prata, 1822-1994. Brasília: FUNAG, 2014. p. 13-67.
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