249 Rodrigo Goyena Soares proposta insuficiente para definir a região-mundo. O pretérito é aqui presente não pela justaposição de uma sequência de acontecimentos findos e ao fim somados, mas pela atualização de contradições anteriores, externalizadas agora como projetos circunscritos, então, às condições de berço.10 Nessa perspectiva, as muito movediças alianças entre as partes platinas do século XIX assumem outra feição. O que poderia ser visto como instabilidade e inconstância – notadamente na aproximação entre os líderes da Farroupilha e Juan Manuel de Rosas, pouco depois distanciado dos gaúchos numa episódica associação ao Império do Brasil, por sua parte, avesso a blancos uruguaios, que, pilares das ambições expansionistas de Buenos Aires, convinham à desagregação do vínculo entre farrapos e colorados – é pela via da região-mundo a perfeita atualização de finalidades de maior duração: distante ou próximo de d. Pedro II, Juan Manuel de Rosas não alterou um palmo sequer, a não ser pelos meios, seu projeto de política externa; como tampouco o Império, no tratado militar de 1843 com a Confederação Argentina, cedeu em relação à política de contenção a Buenos Aires, formalizada a partir de então. Errático à primeira vista, o Prata como região-mundo parece assim largamente mais previsível. II] A região-mundo platina na primeira metade do Oitocentos Na esteira dos acontecimentos que levaram Napoleão Bonaparte a bloquear em 1806 o ingresso de mercadorias britânicas na Europa continental, Londres lançou mão de duas investidas no rio da Prata, julgado ímpar para a aceleração das exportações britânicas. Embora inicialmente rechaçadas sobretudo pelos colonos portenhos, as pretensões platinas do Foreign Office ganharam vulto progressivamente. Eram mais de 40 casas comerciais britânicas instaladas em Buenos Aires no início da década de 1820, pouco menos de 3.000 súditos de Jorge IV ali residentes e um fluxo de importações provenientes da Grã-Bretanha que superava os da Espanha e da França.11 Não obstante, o que poderia parecer o reflexo direto de uma desigual relação de força caracterizou-se, no decurso da década de 1810, por um obstáculo à realização plena dos interesses britânicos no Prata, especialmente porque a região-mundo não se resumia a Buenos Aires e Londres. Em outras palavras, embora portentosos, sequer os britânicos puderam agir de forma autônoma no espaço platino, em franca transformação naquele início do século XIX. 10 Para além de Koselleck, há nesta formulação do passado ampla inspiração no conceito de prático-inerte, de Jean-Paul Sartre. Ver: SARTRE, Jean-Paul. Critique de la raison dialectique (précédé de Question de méthode). Tome I: Théorie des emsembles pratiques. Paris: Librairie Gallimard, 1960. 11 GALLO, Klaus. De la invasión al reconocimiento. Gran-Bretaña y el río de la Plata, 1806-1826. Buenos Aires: A-Z Editores, 1994.
RkJQdWJsaXNoZXIy MjEzNzYz