Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

250 A Guerra de Sessenta Anos. A região-mundo platina e as causas do conflito de 1864 Após a abertura dos portos no Rio de Janeiro, em 1808, a presença naval britânica no rio da Prata agigantou-se, estranhamente, sem redundar na imediata extensão dos privilégios alfandegários que a Corte de d. João concedera ao Foreign Office. O assalto contra Montevidéu liderado por d. João em 1811 foi apenas retoricamente realizado para socorrer Francisco Javier Elío y Olóndriz, último vice-rei do Prata, do expansionismo portenho. Tal como o controle de Colônia do Sacramento havia feito ainda que parcialmente a fortuna de Pombal, o Rio de Janeiro no Prata, devido ao potencial comercial do estuário, daria respiro às finanças joaninas num tempo em que o orçamento luso-brasileiro, composto na alfândega, sofria com o Tratado de Comércio e Navegação assinado um ano antes com a Grã-Bretanha.12 Julgando talvez ganhar pelo volume o que perdia com a redução nas tarifas de importação aplicadas a mercadorias britânicas, d. João teve de recuar em face às pressões de lorde Strangford, a voz platina do Foreign Office lotada no Rio de Janeiro: à primeira vista, uma posição em tudo contraditória, considerando que Londres poderia carregar pela mão luso-brasileira o Tratado de 1810 para o Prata. Embora a presença joanina eventualmente reabilitasse o tráfico de escravos no estuário do Prata, quando Buenos Aires estava prestes a aboli-lo, era ela sobretudo incômoda para os britânicos em razão das inevitáveis desavenças que causaria com portenhos, orientais e ainda espanhóis. A Guerra de Sessenta Anos já havia começado, e eliminar uma de suas partes, apesar dos pesares, dava bons augúrios para a manutenção do dinamismo comercial no Prata. Em alguma medida, assim foi. As embarcações britânicas chegaram às centenas em Buenos Aires e Montevidéu, onde as naves luso-brasileiras também estimularam o comércio de charque, couro, madeira, açúcar, algodão e tabaco.13 No entanto, Londres mudaria logo de posição. Em 1814, a invasão de Montevidéu pelos portenhos, reunidos na ambição de compor territorialmente as Províncias Unidas do Rio da Prata, soergueu uma espécie de irredentismo nacionalizante e anglófobo liderado por José Gervasio Artigas. Em conjunto com outras lideranças provinciais do antigo Vice-Reino do Rio da Prata, Artigas reclamava maior acesso às rendas do porto de Buenos Aires.14 A guerra seguiu assim seu curso, e o agora Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves assumiu que a fragmentação das Províncias Unidas era oportuna para reabilitar a ambição secular da fronteira política no Prata.15 As forças joaninas foram 12 RICUPERO, Rubens. A diplomacia na construção do Brasil, 1750-2016. Rio de Janeiro: Versal Editores, 2017. 13 PRADO, Fabrício. Edge of Empire: Atlantic Networks and Revolution in Bourbon Río de la Plata. Berkeley: The University of California Press, 2015. 14 STREET, John. Artigas and the Emancipation of Uruguay. Cambridge: Cambridge University Press, 2008. 15 PIMENTA, João Paulo Garrido. Estado e nação no fim dos Império ibéricos no Prata, 1808-1828. São Paulo: Hucitec, 2006.

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