251 Rodrigo Goyena Soares então despachadas em 1816, e, desta vez, malgrado os protestos do Foreign Office, Londres dobrou-se às vontades do Rio de Janeiro, em boa medida, porque Artigas havia alterado o equilíbrio de forças no Prata. Assim, a região-mundo platina resistia às ambições imediatas dos britânicos, em que pese a dependência comercial e, portanto, orçamentária em relação à economia-mundo liderada por Londres. Dito de outra forma, a totalidade regional obstaculizava inclusive sua parte mais extraordinária – indubitavelmente, o Foreign Office era também um pedaço do Prata. Para dizer o óbvio, o todo era maior do que uma de suas partes; porém, mais do que um recorte geográfico que agrupou rivais pelo controle comercial dos rios, igualmente um meio, para o Rio de Janeiro, de sustentação territorial do Mato Grosso, a totalidade regional tornou-se obstáculo aos britânicos, porque foi no tempo da revoltosa década de 1810 que se formavam as primeiras constâncias de uma região-mundo então reconstituída a partir da desagregação dos impérios coloniais. Lentamente, investidas e recuos à primeira vista erráticos davam o tom de um padrão inegociável que perdurou até a década de 1850 – o limite da primeira fase da Guerra de Sessenta Anos. Diferentes quanto a suas formações partidárias, Bernardino Rivadavia e Juan Manuel de Rosas foram os mesmos quanto ao expansionismo territorial das Províncias Unidas ou da Confederação Argentina e, igualmente, semelhantes na defesa de um orçamento nacional composto em Buenos Aires.16 Era o motivo do retraimento paraguaio. Alvo portenho, José Gaspar Rodríguez de Francia apostou na autonomia pelo isolamento em relação ao Prata, apesar dos custos comerciais e financeiros de um distanciamento, em última proporção, da economia-mundo.17 D. João VI e d. Pedro I não renunciaram ao Prata, como tampouco os liberais da claque de Diogo Antônio Feijó ou os apadrinhados do regressista Bernardo Pereira de Vasconcellos: enquanto o outro litoral do Império – isto é, o platino – permanecesse a meses de distância do Rio de Janeiro, o Brasil dependeria de Buenos Aires, caso houvesse liberdade de navegação fluvial, para firmar-se como Estado soberano. A contenção das ambições portenhas foi assim política permanente nos Negócios Estrangeiros do Império.18 Quando Artigas perdeu tração no Prata, entregando a Cisplatina às mãos luso-brasileiras, a paz almejada havia já uma década pelos britânicos redundou em nova invasão à banda oriental, agora liderada por Buenos Aires. Era aquele o pior cenário possível para Londres, que via no ato a contração do 16 GELMAN, Jorge; SANTILLI, Daniel. De Rivadavia a Rosas. Desigualdad y crecimiento económico. Buenos Aires: Siglo Veintiuno, 2006. 17 YEGROS, Ricardo Scavone; BREZZO, Liliana M. História das relações internacionais do Paraguai. Brasília: FUNAG, 2013. 18 DORATIOTO, Francisco. Maldita guerra. Nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das Letras, 2022 [2002].
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