Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

253 Rodrigo Goyena Soares Por todas as evidências, essas constâncias do primeiro estrato da Guerra de Sessenta Anos retratavam o processo de formação dos Estados-nacionais na região-mundo platina. Não era a aversão ao expansionismo portenho o que caracteriza as dissidências argentinas, elas mesmas uma vivificação do sonho anterior de Artigas, mas a oposição a Rosas – e à concentração do orçamento confederativo em Buenos Aires. Os gabinetes do Império, nos fatos, não vislumbravam nos caudilhos argentinos dissidentes a garantia última de uma Confederação Argentina satisfeita com o território que herdara na independência, mas um entrave, exatamente como os enxergava Buenos Aires, à consolidação nacional. Eliminá-las, no entanto, era amplamente mais custoso do que negociar com os farrapos, por certo muito maltrapilhos perto das baterias de Corrientes e Entre Rios. Não à toa, foi exatamente entre a assinatura do Tratado de San Fructuoso e a Reunião de Paissandu, na qual se congraçaram lideranças correntinas, entrerrianas, santafesinas, farroupilhas e coloradas, que dispararam os custos militares do Império diretamente vinculados ao Sul. No triênio 1841-43, a Farroupilha drenou praticamente 65% das receitas ordinárias do Brasil.22 O Império assim rendeu-se ao Rio Grande do Sul, preservando a unidade nacional nos limites dos interesses alfandegários gaúchos23 e, auspiciosamente, incorporando em 1845 o litoral argentino e os colorados orientais a seu lado da balança platina de poder.24 Nessas condições, o tratado militar de 1843 com Buenos Aires, sequer implementado, não teria razão alguma de ser, porque fora ambicionado pelo Império para sufocar a Farroupilha e, na perspectiva da Confederação, para ganhar tempo contra as belonaves britânicas e franceses ainda estacionadas no Prata.25 Terminou ganhando-o o Império nas negociações com o Rio Grande do Sul, pelo menos até a assinatura dos Tratados Arana-Southern e Arana-LePrédour, respectivamente em 1849 e 1850. III] As causas do conflito de 1864 na perspectiva da região-mundo À altura de Vuelta de Obligado, no rio Paraná, as belonaves franco-britânicas impuseram-se em 1845 às forças de Rosas, o que lhes abriu passagem 22 A estimativa contempla os gastos militares totais do Império, subtraindo-se daí as despesas relativas às demais revoltas ainda em curso. Também foram omitidos os gastos relativos à manutenção de destacamentos não despachados para o Rio Grande do Sul. Relevantes, as despesas com juros próprios ao financiamento da Farroupilha também foram agregadas. Ver, ainda: Relatórios do Ministério da Fazenda, 1841-1844. CARREIRA, Liberato de Castro. História financeira e orçamentário do Império do Brasil. Brasília: Senado Federal; Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1980; CARRARA, Angelo Alves. As finanças do Estado brasileiro, 1808-1898. Belo Horizonte: Fino Traço, 2022. 23 LEITMAN, Spencer L. Raízes socioeconômicas da Guerra dos Farrapos. Rio de Janeiro: Graal, 1979. 24 FERREIRA, op. cit. 25 CORONATO, Daniel Rei. Diplomatas & Estancieiros: a construção nacional brasileira e a busca do equilíbrio de poder no Prata. Belo Horizonte: Convexa, 2020.

RkJQdWJsaXNoZXIy MjEzNzYz