Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

254 A Guerra de Sessenta Anos. A região-mundo platina e as causas do conflito de 1864 para os mercados do litoral – e eventualmente do Paraguai. Não obstante, as vendas especialmente britânicas ficaram largamente aquém do esperado, e a frustração, remediada pela adoção de uma política unilateral de livre comércio em Londres, redundou num imediato desinteresse pela livre navegação na bacia do Prata.26 Depois de sustar o bloqueio no estuário do rio da Prata, a Grã-Bretanha cedeu a Buenos Aires o controle do Paraná, e a França liquidou seus encargos financeiros destinados à sustentação da praça de Montevidéu, onde as forças do colorado Fructuoso Rivera permaneciam encasteladas contra as tropas do blanco Oribe. Em poucos anos, a mudança de padrão do Foreign Office transformaria a tônica da região-mundo platina, encerrando a primeira fase da Guerra de Sessenta Anos. Antes alinhados no interesse pela livre navegação no Prata, o Brasil e a Grã-Bretanha entraram em rota de colisão. Superada a indisposição britânica com Rosas, restava ao Foreign Office voltar seus cruzeiros platinos, agora inteiramente disponíveis, para a execução última do Slave Trade Suppression Act, também de 1845. Assim, devido a um rearranjo das condições platinas, da pacificação gaúcha resultou a premência de um novo conflito para o Império, visto que a inabalada aliança entre Rosas e Oribe fechava inteiramente a bacia do Prata à navegação brasileira. “Nec hercules contra duo”, diria pouco depois Paulino José Soares de Souza à frente do ministério dos Negócios Estrangeiros, compreendendo que, visto o cenário platino, a causa do tráfico de escravos estava perdida. Quando foi editada a Lei Eusébio de Queirós, que pôs termo definitivo ao tráfico internacional de escravos no Brasil e docilizou, portanto, as tensões com Londres, os conservadores no poder assumiram que a recomposição econômica do Império dependia do Prata, uma draga tenazmente ainda capaz de extrair a maior parte dos quase 50% do orçamento ordinário destinados às despesas militares.27 Em outras palavras, a persistência expansionista de Rosas, ampliada agora com o recuo franco-britânico, significava para o Império, afora a impossibilidade de resguardar a fronteira soberana de seu litoral platino, a virtual incapacidade de concentrar recursos no desenvolvimento, notadamente, da infraestrutura de integração física em outra bacia, a vale-paraibana – àquela altura, o coração pulsante do orçamento imperial e a maior via de inserção na economia-mundo. Pelo tamanho do embaraço à consolidação do Estado-nacional, a bacia do Prata, ao mesmo tempo, foi a maior aposta para tanto. Os conservadores entenderam-no bem, porque inclusive sua hegemonização interna dependia da externa, e despacharam então a missão Honório Hermeto Carneiro Leão 26 DARWIN, John. The Empire Project. The Rise and Fall of the British World-System, 1830-1970. Cambridge: Cambridge University Press, 2009. 27 CARREIRA, op. cit.; CARRARA, op. cit.

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