Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

256 A Guerra de Sessenta Anos. A região-mundo platina e as causas do conflito de 1864 na eventualidade, ao fim realizada, de o Império refrear novos empréstimos à Confederação.31 Em todos os casos – e tão somente a partir da internalização da nova balança de poder – a década de 1850 catapultou Assunção às dinâmicas da região-mundo platina, rigorosamente quando se firmou sua soberania: uma etapa fulcral no processo de consolidação do Estado-nacional paraguaio. Sem a ameaça portenha – e sequer a do Império, que reconhecera a independência guarani em 1844 – Assunção abandonou de vez a política de autonomia pelo isolamento, já flexibilizada durante marcha do litoral contra Rosas. A consequente exposição ao mundo platino foi a melhor garantia de robustecimento interno do Paraguai. As exportações de erva-mate ganharam impulso, e também a importação de material bélico a partir de tratados comerciais assinados com os Estados Unidos, a França e a Grã-Bretanha.32 Em poucos anos, o país disporia de seus primeiros quilômetros de ferrovia e de um estaleiro, bem como de uma doca, de uma frota nacional e de uma fundição de ferro.33 Embora ainda muito modesta, a expansão econômica era retrato do ganho de espaço no Prata e, assim, da inserção paraguaia na economia-mundo. O Império então se apressou a assinar em 1856 o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação com Assunção, de maneira a assegurar a livre navegação do rio Paraguai e, consequentemente, o tráfego fluvial até o Mato Grosso.34 Manifestação da hegemonia Imperial no Prata, a movimentação diplomática foi igualmente maneira de expressar o limite do inegociável para o Rio de Janeiro. Caso cedesse, o Império perderia os ganhos de 1851-1852, o que invariavelmente significaria voltar a empatar o orçamento nacional nas Forças Armadas. Da mesma forma, buscando resguardar os logros alcançados após a derrota de Rosas, o Império não atendeu a Urquiza quando convocado, no final da década de 1850, a defrontar-se contra o Estado de Buenos Aires, visto que eventual êxito da Confederação alteraria o status quo regional. Não à toa, nesta nova etapa da Guerra de Sessenta Anos, a Batalha de Pavón, conflito civil que consolidou em 1861 a Argentina sob a liderança portenha, não contou com o envolvimento do Império.35 Impensável nas décadas anteriores ao biênio 1851-1852, tampouco o Uruguai imiscuiu-se em assuntos agora tidos como exclusivamente argentinos. Visto que não cabia mais na unidade territorial argentina, o Uruguai 31 YEGROS; BREZZO, op. cit. 32 PLÁ, Josefina. The British in Paraguay, 1850-1870. Richmond: Richmond Publishing, 1976. 33 WHIGHAM, op. cit.; NÚÑEZ, Ronald León. A Guerra contra o Paraguai em debate. São Paulo: Sundermann, 2021. 34 DORATIOTO, Francisco. Maldita guerra. Nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das Letras, 2022 [2002]. 35 DONGHI, Tulio Halperín. Proyecto y construcción de una nação (1846-1880). Buenos Aires: Emecé, 2007.

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