265 Sarah Tortora Boscov produz imagens que resistem ao tempo, e que se explicam pela noção de sobrevivência, “sobrevivência dos signos ou das imagens, quando [até mesmo] a sobrevivência dos próprios protagonistas se encontra comprometida”.17 quer pela mortalidade humana, quer por fatores de inflexão externos aos homens. A imagem sobreviverá – nesse aspecto sempre é voltada ao futuro – caso não seja relegada a destruição completa, enquanto o ser humano que a criou ou a protagonizou, não resistirá à lima do tempo. A sobrevivência é percebida pelas formas, gestos, expressões, alegorias, símbolos, conceitos que atravessam períodos encobertos, submersos, e que retornam constantemente por meio da transmissão da história e da memória.18 É possível compreender essa difusão mnemônica da imagem comparando-a com “cristais de memória histórica” que possuem dimensão dual: a originalidade e repetição,19 e tendem a se enrijecer no decorrer da transmissão histórica coletiva ou individual em formato imagético que compõem a memória do indivíduo. Essas afirmações são baseadas em Aby Warburg20 para quem a sobrevivência das formas de representar – visto como tópicos figurativos ou lugares-comuns visuais que foram mobilizados por artistas, pintores e artífices, de forma consciente ou não, ao longo da história da arte – é a forma de revigoramento de “forças psíquicas arraigadas na memória coletiva, cristalizadas como espectros em imagens dotadas de intensa força”.21 Assim, a imagem reproduz seu tempo, mas também coloca diante de seu observador o tempo em si; “sempre, diante da imagem, estamos diante do tempo”,22 de um tempo invólucro passado, que concomitantemente contém em si camadas de tempo, estratos, que juntas, em uma primeira impressão, apresentam-se em um molde de uma “massa de fatos miúdos, uns brilhantes, outros obscuros e indefinidamente repetidos, esses mesmos fatos que constituem, na atualidade, o despojo cotidiano da micro-sociologia”.23 Diante da imagem estamos diante de um cristal de tempo onde o outrora se encontra com o agora, onde o tempo se cristaliza, se difrata, formado pelo choque do 17 DIDI-HUBERMAN, op. cit., 2011, p. 150. 18 TAVARES, op. cit., p. 78. 19 TEIXEIRA, Felipe Charbel. Aby Warburg e a pós-vida das Pathosformeln antigas. História da Historiografia: International Journal of Theory and History of Historiography, Ouro Preto, v. 3, n. 5, p. 134147, set. 2010. Disponível em: https://www.historiadahistoriografia.com.br/revista/article/view/171. 20 WARBURG, Aby. Mnemosyne. In: BARTHOLOMEU, Cezar (org.). Dossiê Warburg. Revista Arte & Ensaios. Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais EBA/UFRJ, Rio de Janeiro, v. 19, n. 19, p. 118-143, 2009. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/ae/article/view/50819/27565. 21 TEIXEIRA, op. cit., p. 139. 22 DIDI-HUBERMAN, George. Ante el tiempo. Historia del arte y anacronismo de las imágenes, Buenos Aires: Adriana Hidalgo, 2006. p. 11. 23 BRAUDEL, Fernand. História e ciências sociais: a longa duração. In: BRAUDEL. Fernand. Escritos sobre a História. São Paulo: Perspectiva, 1976. p. 46. Também: KOSELLECK, op. cit.
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