275 Thomáz Fortunato lações, harmoniosas ou conflitivas, entre processos que se desdobram segundo tempos distintos. Evento, conjuntura e estrutura designariam, como categorias do pensamento histórico, três formas de duração que organizam a totalidade de qualquer processo. A relação entre a plasticidade do tempo na história e sua correspondente maleabilidade na perspectiva do historiador adquiria um vocabulário mais preciso, onde o historiador alterna seu olhar entre múltiplas durações que compõem um processo histórico, interpretando-o de modo temporalmente complexo, dilatando e diversificando a espessura temporal da causalidade na explicação histórica, sempre considerando as singularidades diante de suas condições de possibilidade. De ambas considerações teóricas decorrem importantes consequências analíticas para se pensar nos múltiplos tempos da formação da rede postal da América portuguesa. Em 1796, o governador da capitania do Pará, D. Francisco de Sousa Coutinho, em resposta a uma demanda do Secretário da Marinha e Ultramar sobre o estabelecimento de correios na América, estimou várias distâncias entre Belém, Lisboa e outras capitais luso-americanas.6 Este governador, a exemplo de outros, mensurou as distâncias temporalmente, e a organização social da circulação postal, que estava em vias de ser imaginada, se caracterizava cada vez mais pela temporalização de espaços. Entretanto, dentre as diversas variáveis que influenciavam essas estimativas, havia um conjunto de fenômenos de longa duração frente aos quais as intervenções sociais sempre se defrontavam: as correntes marítimas do Atlântico, os regimes de vento no litoral, a intermitência das chuvas no continente, a topografia do terreno, entre muitos outros fatores, formavam tempos da natureza que, socialmente concebidos, estabeleciam parte das condições de possibilidade da organização social dos correios. Assim, o novo tempo das comunicações que a sociedade portuguesa estava empenhada em construir estava sendo gestado dialeticamente com os antigos tempos da natureza. Mas a formação desse espaço postal, além de se constituir no encontro de processos sociais com durações diferentes, também estava sendo construído mediante uma pluralidade temporal cuja amálgama se realizava na experiência das pessoas. Como analisar essa outra dimensão social do tempo? Em 1975, o historiador Reinhart Koselleck escreveu que “todas as histórias foram constituídas pelas experiências vividas e pelas expectativas das pessoas”7, cuja conexão constrói a forma pela qual, no presente, o passado se relaciona com o futuro. Em história, o futuro nunca é completamente dedutível do passado, sempre ocorre algo a mais, algo a menos e algo de diferente em relação às condições de possibilidade instauradas previamente; porém, in6 FORTUNATO, op. cit., p. 78-91. 7 KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto; PUC-Rio, 2006. p. 306.
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