276 Experimentos laboratoriais: tempo, espaço, estrutura e agência em um estudo sobre os correios do Brasil versamente, o futuro nunca se constitui de modo absolutamente autônomo em relação ao passado, pois a singularidade de um fenômeno jamais é total, do contrário, ele seria ininteligível. Do ponto de vista teórico, os tempos da história são formados por uma pluralidade de formas heterogêneas, reciprocamente condicionantes e, simultaneamente, irredutíveis umas às outras.8 Sua pluralidade se expressaria como uma dialética entre singularidade e repetição: “Estratos de tempo que sempre se repetem estão contidos em todas as ações singulares e em todas as constelações únicas, executadas ou suportadas por seres humanos”, eles “permitem, condicionam e limitam as possibilidades de ação humana” e, ao mesmo tempo, “as geram”. As estruturas de repetição, por sua vez, formadas por meio da atualização reiterativa de eventos singulares, também se modificam e adquirem uma singularidade em decursos mais longos.9 Essa qualidade temporal dos fenômenos históricos se expressa no modo pelo qual as pessoas, em sociedade, vivenciam e pensam o tempo. Segundo Koselleck, uma das formas de se caracterizar a Modernidade como um período seria por meio de uma nova forma experimentar o tempo, no qual o espaço de experiência e o horizonte de expectativas estariam progressivamente se distanciando, fazendo com que o futuro fosse concebido cada vez mais como algo diferente do passado, como algo desconhecido sobre o qual a história, aberta à ação humana, não poderia fornecer elementos para a inteligibilidade do presente ou antecipação do futuro.10 As marcas desse processo, que ocorre entre os séculos XVIII e XIX, podem ser encontradas na linguagem, em conceitos fundamentais da política e da sociedade que são indicadores e fatores dessa experiência social do tempo.11 Sendo o tempo histórico, portanto, um fenômeno da experiência social, a análise das formas de articulação do passado e do futuro no presente implica considerar essa contemporaneidade de tempos não-contemporâneos como um fator da ação humana. Na passagem do século XVIII ao XIX, para os portugueses envolvidos na construção da rede postal na América, havia um amplo espaço de experiência que remontava à Guerra de Sucessão Espanhola (1701-1714) e que continha exemplos de impérios coloniais como o britânico, o francês e o espanhol. As expectativas futuras desses homens do final do Setecentos ainda encontravam lições úteis no passado para construir um sistema postal na América. Mas, ao ambicionar a criação de um novo tempo das comunicações, mais rápidas e regulares que no passado, esses agentes precisaram conceber e se relacionar com paradigmas de outros sistemas postais coloniais para que 8 KOSELLECK, op. cit., 2006, p. 140. 9 KOSELLECK, Reinhart. Estratos do tempo: estudos sobre história. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014. p. 13; 22. 10 KOSELLECK, op. cit., 2006, p. 21-39; 41-60; 267-303. 11 KOSELLECK, op. cit., 2006, p. 97-118. Aqui há uma parcial convergência com Marc Bloch a respeito da semântica das fontes e do discurso do historiador, ver BLOCH, op. cit., p. 135-138.
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