277 Thomáz Fortunato pudessem criar algo singular, irredutível ao passado, mas não completamente autônomo em relação ele. A partir de 1808, quando a crise da monarquia atingia um novo patamar e os baluartes do sistema colonial se encontravam mais fragilizados, ocorre um novo esforço de aceleração das comunicações postais. A espacialidade da rede postal era, nesse cenário, simultaneamente uma reação ao novo tempo de uma política que se acelerava e um dos próprios fatores dessa aceleração. Formava-se um círculo autoindutor no qual a experiência política exigia a aceleração das comunicações postais e as comunicações postais aceleravam o tempo da política. Nesse caso, era especificamente a aceleração que estava pautando parte da experiência temporal dos agentes políticos que, no intervalo de poucos anos, se encontravam em meio à transformação de diversas estruturas. Ao encurtar distâncias, a rede postal contribuía para a progressão dessa aceleração e se tornava um vetor da construção de outro traço da experiência moderna do tempo. Em 2005, o sociólogo Hartmut Rosa escreveu que a Modernidade teria provocado uma “transformação estrutural e cultural extremamente importante das próprias estruturas e horizontes temporais”. Os mecanismos que induziram uma profunda aceleração social se manifestaram na técnica, na mudança social e no ritmo de vida, tendo a economia, a cultura, a sociedade e as instituições como forças motrizes externas.12 Na Modernidade, ela “se tornou um processo autopropulsor”, compondo um círculo no qual a aceleração sempre gera “inevitavelmente, mais aceleração”.13 Dentre as várias consequências causadas por este fenômeno, uma delas seria a emergência de uma Modernidade Tardia, na qual à aceleração social se combinaria um enrijecimento social, criando, nessa fusão, uma espécie de “paralisia frenética” característica de nossa experiência atual do tempo. Uma nova experiência produzida também por novas técnicas de comunicação à distância e de circulação que teriam encurtado distâncias.14 Não seria precisamente esse o caso da rede postal? No início do século XIX, os correios da América portuguesa estavam comprimindo o espaço-tempo das comunicações, acelerando a velocidade da circulação de notícias e documentos. Mas o tempo dessa rede também foi erigido sob o signo da regularidade, isto é, por sua capacidade de preservar, reiterativamente, essa nova velocidade, de modo que a repetição se tornava condição para que a aceleração se tornasse uma estrutura. Assim, os novos espaços-tempo criados pelos correios convertiam-se em estruturas sociais aceleradas, mas também aceleradoras de várias dimensões da vida: antes da implementação dos 12 ROSA, Hartmut. Aceleração: a transformação das estruturas temporais na Modernidade. São Paulo: Unesp, 2019. p. 8; 189; 209; 235; 321; 351; 373; 395. 13 Ibidem, p. 302, grifos no original. 14 Ibidem, p. 31; 42; 44; 189-191; 555.
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