29 Marcelo Rosanova Ferraro historicizada do capitalismo, atenta à sua dinâmica, diversidade e flexibilidade no tempo e no espaço.4 A partir dessas críticas propositivas, Tomich revisitou o debate inaugurado por Eric Williams sobre a relação entre capitalismo e escravidão. Nesse estudo clássico, Williams desenvolveu a sua dupla tese: o tráfico transatlântico de africanos e o escravismo colonial contribuíram para a Revolução Industrial; e, por sua vez, o capitalismo industrial contribuiu para a abolição do tráfico e da escravidão. As teses de Williams foram primeiramente ignoradas na academia britânica e posteriormente refutadas por estudos quantitativos baseados em leituras reducionistas de seus argumentos. Ao mesmo tempo, sua obra encontrou maior receptividade nos Estados Unidos e, principalmente, na América Latina, com destaque para a historiografia brasileira. Tomich se debruçou sobre a segunda tese de Eric Williams, criticando a premissa de que o capitalismo industrial universalizou a forma de trabalho assalariado e levou ao declínio da escravidão atlântica.5 A partir de uma leitura dialética do processo histórico, Tomich descreveu as consequências contraditórias do capitalismo industrial nas Américas. Em sua interpretação, a Revolução Industrial e as transformações socioeconômicas e políticas na Inglaterra contribuíram de fato para a abolição do tráfico e a emancipação gradual nas suas colônias do Caribe, mas o mesmo argumento não se aplica às novas fronteiras da escravidão que se expandiram no Sul dos Estados Unidos, no Ocidente de Cuba e no Centro-Sul do Brasil. Nessas regiões, houve uma revitalização da escravidão devido ao aumento da demanda e a alta dos preços de commodities agrícolas como o algodão, o açúcar e o café no mercado mundial. Portanto, dois processos aparentemente contraditórios foram contemporâneos e conectados: o declínio do escravismo colonial grande parte da América e o nascedouro de uma nova era do cativeiro, a “Segunda Escravidão”, no Brasil, nos Estados Unidos e em Cuba durante o século XIX.6 A matriz interpretativa de Tomich reivindica a mesma ambição de Wallerstein, mas sem perder de vista a organicidade e fluidez do capitalismo histórico e as particularidades de cada uma das partes que compõe o sistema mundial. Essa lição guiou as leituras de fontes primárias e historiográficas, assim como a redação de minha dissertação de mestrado, intitulada “A Arquitetura da Escravidão nas Cidades do Café” e defendida em 2017, e prin4 TOMICH, Dale. Pelo Prisma da Escravidão: Trabalho Capital e Economia Mundial. São Paulo: Edusp, 2011. p. 21-80. 5 WILLIAMS, Eric. Capitalismo e Escravidão. São Paulo: Companhia das Letras, 2012; TOMICH, Dale. Pelo Prisma da Escravidão: Trabalho Capital e Economia Mundial. São Paulo: Edusp, 2011. p. 81-97. Sobre a recepção da obra de Williams, ver MARQUESE, Rafael. “As Desventuras de um Conceito: Capitalismo Histórico e a Historiografia sobre a Escravidão Brasileira”. Revista de História, n. 169, 2013, p. 223-253. 6 TOMICH, Dale. Pelo Prisma da Escravidão: Trabalho Capital e Economia Mundial. São Paulo: Edusp, 2011. p. 81-97.
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