Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

33 Marcelo Rosanova Ferraro transatlântico que conduziram essas lutas, enquanto afro-americanos forçados à migração pelo tráfico interestatal prevaleceram no Sul Profundo dos Estados Unidos. As diferenças demográficas, étnicas e culturais contribuíram para que os escravizados instituíssem repertórios de resistência diferentes em cada região. A despeito dessas distinções, identificadas a partir de um exercício de comparação formal, essas experiências foram compreendidas como variações de um fenômeno integrado de resistência escrava nas Américas durante a Era das Revoluções. Da mesma forma, as classes senhoriais de cada território enfrentaram um desafio comum, mas trilharam caminhos distintos. A construção da justiça criminal nos Estados Unidos criou um sistema dual, em que os direitos e garantias constitucionais e os precedentes da common law valiam para os cidadãos, enquanto a maioria dos negros livres e escravizados eram submetidos aos Slave Codes e Black Codes, e julgados pelas Slave Courts nos estados do Sul. Por sua vez, a classe senhorial hispano-cubana e a elite madrilenha impuseram um regime anticonstitucional regido por leis especiais em Cuba. A legislação colonial das Siete Partidas e das ordenanzas foi preservada, ao mesmo tempo em que foram instituídas leis e tribunais militares para julgar crimes graves cometidos por escravizados. O Império do Brasil foi o único a promulgar uma legislação criminal unificada, com o Código Criminal e o Código de Processo Criminal, que versavam sobre toda a população, livre ou cativa. No entanto, havia dispositivos específicos e leis especiais para crimes e penas de escravizados, que relativizavam seus direitos e garantias constitucionais perante o tribunal do júri. Nesse sentido, uma pessoa escravizada que cometesse um crime grave, como homicídio ou insurreição, seria julgada por instituições de justiça distintas (slave courts, comissões militares e o júri) e condenada a penas severas executadas de maneiras diferentes (enforcamento, fuzilamento, mutilação) em cada país. Contudo, ao se transcender a comparação formal, é possível concluir que essas especificidades foram resultados distintos de um mesmo processo: a construção de ordens escravistas constitucionais, que submeteram as populações escravizadas a regimes de exceção dentro dos marcos do Estado de Direito. O desafio de conciliar teoria e prática permanece vivo. A convergência entre o estudo comparado e a perspectiva do Sistema Mundo exige esforços permanentes do historiador, tanto na seleção e interpretação das fontes quanto na elaboração da escrita. Ao longo de minha formação, cada pesquisa serviu de aprendizado, principalmente sobre os equívocos metodológicos a não serem repetidos. Ao mesmo tempo, os desafios me encorajaram ir além nos projetos seguintes, escorado nos ombros dos gigantes que me revelaram um outro olhar sobre o passado. Se há um fio condutor nos descaminhos dessa trajetória acadêmica, suas raízes foram plantadas durante as leituras e debates

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