Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

37 Leonardo Marques e Waldomiro Lourenço da Silva Júnior da composição e organização dos morfemas, as unidades mínimas de significado que compõem as palavras. Na biologia, a morfologia examina as estruturas anatômicas e as formas dos organismos, com o intuito de compreender a diversidade e as adaptações nos reinos animal e vegetal. De forma semelhante, ao tratar da morfologia histórica, nos voltamos para a análise dos padrões reiterados e das transformações que moldaram o escravismo Atlântico ao longo do tempo. A abordagem aqui é algo distinta da compreensão de Ginzburg acerca da morfologia como método, ainda que nos dois casos a principal preocupação seja com a longa duração.2 Trata-se de um aprofundamento no estudo das dinâmicas e das estruturas que sustentaram o sistema da escravidão, considerando as conjunturas históricas e eventos de fôlego que o atravessaram, imprimindo particularidades em suas configurações. Essa abordagem chama a atenção tanto para características duradouras, quanto para feições distintas que o escravismo assumiu em diferentes períodos históricos e regiões. Assume-se uma perspectiva necessariamente geo-histórica, que olha de forma substantiva para a temporalização do espaço e para a espacialização do tempo. Como ressaltou Fernand Braudel, “não existe problema social que não esteja situado em seu quadro geográfico, quer dizer, exposto no espaço, confrontado a esse espaço. Não há realidade social que não ocupe um lugar no solo”.3 Com efeito, as particularidades geográficas desempenham um papel fundamental na morfologia do escravismo atlântico, considerando-se inclusive as zonas de trânsito oceânicas, fluviais e terrestres. Embora haja diferenças de ênfase, é consenso afirmar que o espaço, com todas as suas características físicas, e o tempo histórico, de múltiplas dimensões, ritmos e camadas sobrepostas, enredam-se como mutuamente condicionantes. Reinhart Koselleck explorou essa questão, pontuando que “espaço e tempo representam, como categorias, as condições de possibilidade da história. Mas também o ‘espaço’ tem uma história [...], se modifica social, econômica e politicamente”.4 Como o leitor pode notar, não há absolutamente nenhuma novidade em todo esse enunciado. O problema, em termos concretos, é extrair o máximo de consequências desse tipo de enquadramento e ampliar o que já sabemos sobre o fenômeno da escravidão. O primeiro passo, para tanto, é compreender que a escravidão formava um sistema histórico, isto é, um conjunto de práticas e relações interdependentes, de duração variada, orien2 GINZBURG, Carlo; CAROTTI, Federico. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 13. 3 BRAUDEL, Fernand. Geo-história: a sociedade, o espaço e o tempo. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 22, p. 612-639, jun. 2015. p. 618. 4 KOSELLECK, Reinhart. Estratos do tempo: estudos sobre história. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014. p. 77.

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