Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

38 A morfologia histórica do escravismo Atlântico tados para a sua autorreprodução. Esse conjunto, ao invés de uma história linear, desdobra-se em diferentes camadas, dando origem a unidades espaço- -temporais específicas, singulares, com cronologias e contornos geopolíticos razoavelmente nítidos, mas que não são propriamente etapas ou ciclos puramente sequenciais, uma vez que abrem possibilidades para sincronicidades e combinações assimétricas. A segunda escravidão e os sistemas atlânticos A “segunda escravidão” é um exemplo de uma unidade espaço-temporal do escravismo atlântico. Dale Tomich5 (2011), artífice da categoria, procura realizar uma reconstrução teórica das formações escravistas no Atlântico, associando a perspectiva do capitalismo como sistema mundial a uma compreensão da plasticidade das relações econômicas históricas, derivada de uma leitura arejada da obra de Marx. Assim, capitalismo e escravidão são tomados como partes de uma mesma totalidade, e não como entes exteriores um ao outro. Por essa chave analítica, o Atlântico é compreendido como uma sub- -região da economia-mundo europeia e a escravidão um dos seus principais elementos constitutivos. O turbilhão que caracterizou a Era das Revoluções e o advento da hegemonia britânica na era industrial do capitalismo imprimiram mudanças na divisão internacional do trabalho, reconfigurando as bases do sistema escravista, dando-lhe novo impulso, alterando a sua espacialização. Efetivamente, o marcador espaço-temporal da “segunda escravidão” é feliz em registrar as novidades que distinguiram o escravismo oitocentista, particularmente na organização das forças produtivas, na relação entre terra, capital e trabalho, e nas dinâmicas que envolviam a reposição da mão de obra em uma conjuntura de profundas rupturas políticas e ideológicas. Essa percepção aflui para a ênfase dada por Giovanni Arrighi – que compartilhava o mesmo ambiente intelectual de Tomich e Immanuel Wallerstein no Centro Fernand Braudel, em Binghamton – nas alterações sucessivas das dinâmicas dos processos de acumulação e na mobilidade geográfica do capital. Como é possível perceber, os referenciais teóricos da formulação de Tomich estão no DNA do Lab-Mundi, que debutou justamente com uma leitura coletiva das obras de Wallerstein e Arrighi. Por sinal, esses mesmos referenciais embasaram uma das poucas iniciativas que buscaram enfrentar o desafio imediatamente colocado pela formulação de Tomich, que é o tratamento da morfologia da escravidão no período anterior. Afinal, o sistema de escravidão entre os séculos XVI e XVIII configurou uma primeira escravidão? Os autores do livro Escravidão e Política (2010; 5 TOMICH, Dale W. Pelo prisma da escravidão: trabalho, capital e economia mundial. São Paulo: Edusp, 2011.

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