39 Leonardo Marques e Waldomiro Lourenço da Silva Júnior 2016) – dois dos quais são participantes do Lab-Mundi, e cuja tradução para o inglês ficou a cargo de um dos autores do presente capítulo – viram a necessidade de retroceder no tempo, inserindo um capítulo inteiro sobre a configuração geral dos três séculos iniciais do colonialismo antes de adentrarem no recorte do livro, que compreende o período entre 1790 e 1850. Ainda sob a voga da chamada História Atlântica, Berbel, Marquese e Parron, dialogando também com autores como Sidney Mintz, David Meinig, Robin Blackburn e Pieter Emmer, sustentam que esse espaço foi conformado por estruturas históricas singulares, tempos distintos do mundo moderno, consubstanciados no sistema atlântico ibérico e o sistema atlântico do noroeste europeu. O conceito de sistemas atlânticos está intrinsecamente ligado à formulação de Arrighi sobre os ciclos sistêmicos de acumulação que compõem o capitalismo histórico. Como sabemos, cada um desses ciclos representa uma configuração específica de estratégias e circuitos que impulsionam a acumulação de capital, marcando fases de expansão material e financeira atreladas a centros hegemônicos consecutivos. Em termos bastante resumidos, o sistema atlântico ibérico é originário do ciclo genovês (sécs. XV-XVII) e o sistema atlântico do noroeste europeu provém do desenvolvimento do ciclo holandês (sécs. XVI-XVIII). Não se trata de um mero registro do contexto macroeconômico como uma espécie de pano de fundo. A cidade-estado italiana de Gênova e os Países Baixos – em momentos distanciados no tempo – tiveram vínculos diretos com as operações ligadas ao desenvolvimento da empresa colonial, que por sua vez nutriu a expansão da economia-mundo europeia. Os genoveses se envolveram até a medula na ampliação da cadeia mercantil do açúcar para as possessões castelhanas e portuguesas do outro lado do Atlântico, após as expedições de Colombo no final do século XV, além de uma participação ativa no tráfico transatlântico de africanos escravizados para as Américas. Um dos aspectos mais importantes da ênfase dada por Arrighi à participação italiana na expansão ibérica está no enquadramento deste processo no contexto mais amplo de emergência do capitalismo no Mediterrâneo, uma perspectiva que era amplamente compartilhada por uma geração anterior de historiadores, e que tem sua expressão mais brilhante na famosa tese de Braudel,6 mas que nas últimas décadas esteve relativamente soterrada sob o nacionalismo metodológico de historiadores dos impérios ibéricos e de um certo marxismo de verniz anglocêntrico.7 Ao adotarmos o Mediterrâneo como unidade de análise fundamental de nascimento da história do capitalismo, compreendemos não apenas o lugar de Espanha e Portugal nesse 6 BRAUDEL, Fernand. Geo-história: a sociedade, o espaço e o tempo. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 22, p. 612-639, jun. 2015. 7 MARQUES, Leonardo. A América colonial e a história das mercadorias: a pluralidade de tempos no capitalismo histórico. Esboços, v. 28, n. 49, p. 772-812, 2021. p. 802-804.
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