Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

40 A morfologia histórica do escravismo Atlântico processo, mas de um grande conjunto de atores que eram parte daquilo que o historiador francês descreveu como o “Grande Mediterrâneo”.8 No século seguinte, a ampliação das atividades econômicas holandesas – que combinou a consolidação regional com expansão comercial e financeira em nível mundial – dependeu de fronteiras mercantis variadas, de especiarias asiáticas a alimentos e madeiras do leste europeu, todas elas possibilitadas pela circulação global de metais preciosos. Nesse processo, Amsterdã emergiu como uma espécie de Wall Street do século XVII, na famosa expressão de Pierre Goubert, posteriormente recuperada por Wallerstein.9 Foi neste movimento, também, que a ascensão holandesa impulsionou o arranque da escravidão nas colônias francesas e inglesas do Caribe. A economia dessa região emulou inicialmente o modelo ibérico, que tinha no nordeste do Brasil a sua configuração mais avançada, adquirindo gradativamente contornos próprios. Nos termos colocados aqui, pode-se sustentar que cada um desses sistemas atlânticos forjou uma unidade espaço-temporal específica do escravismo americano. Formaram-se, portanto, duas unidades que, em determinado momento, coexistiram e competiram entre si, condicionando-se mutuamente. Essa coexistência competitiva foi desencadeada pelo processo concomitante de declínio do ciclo genovês e de emergência do ciclo holandês a partir da expansão financeira do final do século XVI. Esse processo repercutiu diretamente na geografia do colonialismo, que avançou sob distintas bandeiras Américas afora. Entre os séculos XVII e XVIII, ambos os sistemas atlânticos, que conservavam durações e arranjos distintos, passaram a se inscrever no mesmo ciclo sistêmico, marcado pela especialização financeira de Amsterdã, pelo protagonismo de franceses e ingleses no comércio atlântico e pela semiperiferização dos impérios ibéricos. O caos sistêmico instalado no outono do ciclo holandês resultou na reconfiguração do sistema capitalista e das relações interestatais, desencadeando, especialmente após a Guerra dos Sete Anos (1756-1763), as mudanças estruturais que resultaram no advento da “segunda escravidão”. As principais zonas escravistas, concentradas no sistema atlântico do noroeste europeu, entraram em crise em função de limites ambientais e de fortes tensões políticas, cujo ápice foi a Revolução de Saint-Domingue iniciada em 1791. Nas décadas seguintes, o Sul dos Estados Unidos, o ocidente da ilha de Cuba e o Vale do Paraíba, no sudeste do Brasil, regiões antes periféricas ou subexploradas, assumiram o primeiro plano da agroindústria escravocrata. 8 BRAUDEL, Fernand. Geo-história: a sociedade, o espaço e o tempo. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 22, p. 612-639, jun. 2015; DOURADO, Elisa Michahelles. A Alemanha e o Atlântico na Época Moderna (c. 1450-1750): Mercadorias, crédito e conhecimento. 2021. 148 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2021. 9 WALLERSTEIN, Immanuel. The Modern World-System II: Mercantilism and the Consolidation of the European World-Economy, 1600–1750. Berkeley: University of California Press, 2011. p. 57.

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