Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

41 Leonardo Marques e Waldomiro Lourenço da Silva Júnior Capitalismo e escravidão: o debate permanente Além da complementação do enquadramento proposto por Tomich, cabe anotar uma sofisticação teórica na explicação contida em Escravidão e Política. Os autores empregam a noção de “contemporaneidade do não-contemporâneo”, de Reinhart Koselleck10, para mediar o tratamento da ordem do tempo. Por este prisma, os sistemas atlânticos são tomados como ‘duas estruturas temporais singulares’ que coexistiam, movendo-se a ritmos intrínsecos e diferenciados. Para além das épocas distintas nas quais ocorreram suas gêneses, esse ‘desenvolvimento desigual e combinado’ é explicado pelas particularidades de seus antecedentes históricos e pelas condições objetivas de seu progresso social e econômico no Novo Mundo. Com isso, os autores enxergam e delimitam de forma bastante arejada a multiplicidade do período moderno. Assim, temos uma cronologia bem delineada do escravismo atlântico, integrando-o aos ciclos sistêmicos da economia-mundo capitalista. Todavia, alguns pontos ainda precisam ser esmiuçados. Em primeiro lugar, existe um problema básico de aritmética. Como pode ser tomado como da segunda escravidão um período que sucedeu outras duas configurações ou tempos do escravismo atlântico? Parece óbvio que a segunda escravidão na verdade é a terceira, se enquadrarmos a escravidão americana na trajetória mais ampla dos ciclos sistêmicos de acumulação. No entanto, mais do que salientar o “erro na conta”, importa refletir sobre as suas implicações. O mote do argumento de Tomich reside fundamentalmente na desconstrução da ideia de incompatibilidade entre o desenvolvimento capitalista e a escravidão, salientando os aspectos principais de sua reformulação na era da industrialização e do controle econômico do fluxo de mercadorias. Assim, o período anterior é tomado em bloco, especialmente a partir do nexo colonial do mercado internacional, que era marcado pelo governo direto da produção dentro da lógica mercantilista. O problema é que isso gera uma ambiguidade, remetendo a uma concepção de capitalismo distinta da que pauta a ideia de economia-mundo forjada por Fernand Braudel e apropriada por Arrighi para delinear os contornos dos ciclos sistêmicos. O próprio Tomich sempre enfatizou a necessidade de se pensar produção, circulação, distribuição e consumo como partes inextricáveis da totalidade do capital, mas isso não impediu que o contraste de uma segunda escravidão da era industrial com uma primeira do mercantilismo se ajustasse também a uma interpretação, de inspiração marxista, que isola e dá prioridade à esfera da produção como uma espécie de chave para a compreensão da natureza do sistema. Essa perspectiva enxerga na Revolução industrial o marco essencial do nascimento do sistema, com ênfase nas 10 KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto Editora, 2006.

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