Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

42 A morfologia histórica do escravismo Atlântico formas puramente econômicas de exploração presentes na relação entre capital e trabalho, substituindo a era da primazia do Capital Mercantil. O tratamento dos conceitos de capitalismo e escravidão como entes externos um ao outro, ainda que articulados, acaba por entrar pela porta dos fundos. Essa ambiguidade tem lá suas conveniências. Ela permitiu, por exemplo, que Rafael Marquese, braudeliano de quatro costados, e o saudoso Ricardo Salles, gramsciano radical, não apenas empregassem o conceito de segunda escravidão para examinar seus objetos de pesquisa, como colaborassem em obra sobre o assunto (2016). Por outro lado, é sintomático que no evento Segunda Escravidão: desafios e potencialidades, ocorrido em 2017 na cidade do Rio de Janeiro – o qual contou com a presença de diversos labmundianos –, o principal tema discutido tenha sido justamente o conceito de capitalismo. Muito mais, inclusive, que a própria segunda escravidão, e com divergências explícitas entre os próprios Salles e Marquese, além de um dos autores do presente capítulo.11 Cabe notar que o autor de O longo século XX destacou as diferenças de abordagem e concepção entre Marx e Braudel em relação ao capitalismo. Ele observa que enquanto o primeiro nos convida a abandonar “a esfera ruidosa da circulação” e a examinar a geração de lucro no “domicílio oculto da produção”, o segundo nos convida a dirigir nosso olhar para a camada superior do mundo dos negócios, onde o sistema efetivamente estaria em casa. Embora Arrighi opte por se concentrar “no andar superior” da alta lucratividade, ele conclui que “esses enfoques são complementares, e não alternativos”. 12 Todavia, a opção de Arrighi não é fortuita. Ela se deve à amplitude da história que ele quer contar. É no pavimento das grandes transações no qual se concentram as características essenciais do capitalismo histórico em sua longa duração. É nele que se assenta o chão comum de Fuggers e Rockefellers. A especialização do capitalismo no mundo da grande indústria no Oitocentos é reflexo de sua capacidade de mudança e adaptação, mas ele segue em casa, repousando, como outrora, no berço de ouro do mercado financeiro e dos empreendimentos “antimercado”. O que isso demonstra? Que a noção de “segunda escravidão” propicia uma conciliação entre Marx e Braudel? Sim e não. Sim, porque efetivamente descortina as formas pelas quais a esfera da produção escravista se alinha ao movimento da economia-mundo capitalista no século XIX configurando uma totalidade. Não, porque falta aumentar a dose do remédio francês a fim de elevar os níveis de um fator essencial: as dimensões profundas do tempo. 11 MUAZE, Mariana; SALLES, Ricardo (org.). A segunda escravidão e o império do Brasil em perspectiva histórica. São Leopoldo: Casa Leiria, 2020. 12 ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. Tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro; São Paulo: Contraponto; Ed. UNESP., 2006. p. 25.

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