Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

43 Leonardo Marques e Waldomiro Lourenço da Silva Júnior Nosso argumento é o de que há espaço para aprimorar a maneira como abordamos a história da escravidão em suas diferentes dimensões espaço-temporais. Enquanto Wallerstein e Arrighi, padrinhos de batismo do Lab-Mundi, enfatizam principalmente os sincronismos e as fases sucessivas, a metáfora geológica proposta por Koselleck em torno dos estratos do tempo nos sugere a necessidade de reconstruirmos as estratigrafias da escravidão. Tomich acertadamente afirma que o “trabalho escravo e sua abolição não podem ser vistos como um processo linear, mas como relações complexas, múltiplas e qualitativamente diferentes dentro dos processos globais de acumulação e divisão do trabalho”.13 É fundamental, no entanto, evitar que a análise histórica da escravidão explicite mais sobre os processos globais de acumulação do que sobre a escravidão em si mesma, tomada em sua multiplicidade. O modelo de Tomich é altamente eficaz ao evidenciar o surgimento de novas regiões escravistas em resposta à crescente demanda global por açúcar, café e algodão. Não era factível nem necessário que o autor abordasse todas as implicações de seu argumento. Mas é fato que a ideia de segunda escravidão se tornou um campo aberto. A sua difusão na historiografia abriu uma agenda de pesquisa incerta, especialmente no que diz respeito a regiões dedicadas a outras atividades ou em posição de inferioridade na competição pelas exportações. Um procedimento necessário é avançar no esclarecimento da divisão de trabalho – ponto central na perspectiva de sistemas-mundo e do próprio esquema de Tomich – em escala regional, considerando a pluralidade dos tempos das partes integradas ao sistema de escravidão, bem como a própria natureza dessa combinação. Isso não implica necessariamente utilizar categorias como centro, periferia ou semiperiferia, mas, antes, analisar o significado concreto de especializações, desenvolvimentos relativamente autossustentados, diferentes níveis de concentração e transferência de excedentes, bem como dinâmicas socioeconômicas diversas enredadas em um mesmo conjunto. Tais aspectos, em alguma medida, já estão presentes na historiografia, porém é preciso trazê-los de maneira cada vez mais autoconsciente para o centro da análise, inclusive, é claro, no que diz respeito aos períodos anteriores da história da escravidão. Crise e crítica O debate sobre as relações entre capitalismo e escravidão vem sendo revisitado neste século por diferentes vertentes historiográficas, com uma ênfase crescente na heterogeneidade que caracterizou a história desse sistema 13 TOMICH, Dale W. Pelo prisma da escravidão: trabalho, capital e economia mundial. São Paulo: Edusp, 2011. p. 95.

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