Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

44 A morfologia histórica do escravismo Atlântico histórico.14 Parte significativa da bibliografia recente vem apontando para a sua capacidade de articular diferentes formas de trabalho, que inclui não apenas o trabalho coercivo, mas também as relações de trabalho não-pago para a reprodução da classe trabalhadora, tal como apontado de forma precursora pelo marxismo feminista ao longo do século XX15, além da ampla apropriação e devastação de recursos naturais em escala global. Se a crise financeira e a recessão de fins dos anos 2000 deu uma coloração especial a tais discussões, o crescente reconhecimento de que nos encontramos em meio a um colapso ambiental tem estimulado historiadores a pensar os limites e possibilidades de diferentes modelos de interpretação histórica, incluindo aqueles dedicados a pensar as relações entre capitalismo e escravidão. Recentemente, por exemplo, os historiadores Zoltán Simon e Marek Tamm publicaram um opúsculo chamado The Fabric of Historical Time16, buscando atualizar a teoria do tempo histórico para compreender dilemas do tempo presente (antropoceno, mudanças climáticas, aceleração e afins), em sintonia com outros trabalhos que enxergam na crise ambiental de nossa época uma crise das narrativas lineares de progresso e desenvolvimento, ou, em suas palavras, do “tempo histórico moderno”. Para alguns, como Dipesh Chakrabarty, trata- -se do esgotamento de modelos tradicionais de escrita da história; para outros, como Helge Jordheim, temos a oportunidade de explorar modelos não-lineares, tal como o elaborado por Koselleck, perspectiva compartilhada por Simon e Tamm. Em dado momento, contudo, os autores destacam o que julgam ser uma “importante diferença” entre Braudel e o Koselleck: “enquanto as temporalidades de Braudel foram organizadas de acordo com a escala, das estruturas geológicas e geográficas de lento movimento ao evento singular, Koselleck concebe o tempo histórico em termos de estratos sobrepostos de padrões temporais”. O contraste observado pressupõe a superioridade do modelo koselleckiano, no qual “a palavra-chave não é multiplicidade ou pluralidade”, e sim “Ungleichzeitigkeit, não-sincronicidade”. E arrematam dando a entender que o historiador alemão se diferencia por empregar sua concepção de tempo em sua prática de historiador, não se limitando ao nível teórico.17 Essa contraposição entre Braudel e Koselleck nos é bastante útil, não apenas por exemplificar o reducionismo disseminado na leitura de Braudel, 14 MARQUES, Leonardo. Slavery and Capitalism. In: SKEGGS, Beverley et al. (org.). The SAGE Handbook of Marxism. Thousand Oaks: SAGE, 2022. 15 FERGUSON, Sue; BHATTACHARYA, Tithi; FARRIS, Sara R. Social Reproduction Feminisms. In: SKEGGS, Beverley et al. (org.). The SAGE Handbook of Marxism. Thousand Oaks: SAGE, 2022. p. 45-67; FRASER, Nancy. Capitalismo canibal: como nosso sistema está devorando a nossa democracia, o cuidado e o planeta e o que podemos fazer a respeito disso. São Paulo: Autonomia Literária, 2024. 16 SIMON, Zoltán Boldizsár; TAMM, Marek. The fabric of historical time. Cambridge, United Kingdom; New York, NY: Cambridge University Press, 2023. 17 Ibidem, p. 23.

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