Sistemas, tempos e espacos: o Lab-Mundi em dez anos de fazer historiográfico

46 A morfologia histórica do escravismo Atlântico longa, média e curta duração e a identificação de sincronicidades não-síncronas são procedimentos complementares, não alternativos, mas em sentido diferente do que Arrighi identificou em Marx e Braudel quanto ao capitalismo. A imbricação entre produção e o nexo reprodutivo do capital em escala sistêmica é resultante de uma contingência histórica, i.e., o capitalismo passa a operar dessa forma na realidade concreta, em um dado momento da história; logo, as concepções se ajustam. Trata-se de um constructo de natureza ontológica, proveniente da própria realidade em um contexto específico. No caso das concepções de tempo de Braudel e Koselleck, o que existe é uma aproximação complementar sobre a dinâmica temporal em geral, que serve de referência para a produção de conhecimento sobre diferentes períodos. É um construto de natureza epistemológica, que incide, de forma holística, sobre nossas formas de conhecimento da realidade. As múltiplas temporalidades do escravismo atlântico Aqui voltamos ao tema da escravidão. Uma forma relativamente simples de equacionar alguns problemas e entraves para o avanço na compreensão da morfologia da escravidão consiste em diferenciar ‘estrutura’ e ‘sistema’. Quando os autores de Escravidão e Política afirmam que os “dois sistemas atlânticos da modernidade coexistiram como duas estruturas temporais singulares”21, nós perdemos algo. Ganhamos Koselleck na sincronicidade, mas perdemos Braudel na pluralidade. Estrutura diz respeito a uma dimensão temporal. A dimensão do tempo longo, da reiteração. Sistema como estrutura achata o tempo histórico. O sistema, qualquer que seja, mais propriamente, é a presentificação incessante de múltiplos tempos. Não é um tempo e sim a formação de unidades espaço-temporais. Em outro lugar, inspirando-se na teoria dos sistemas de Niklas Luhmann, um dos autores do presente artigo sustenta que os sistemas históricos concentram e articulam múltiplos estratos e ritmos de tempo, sendo formados tanto por padrões reiterados e esquemas que lhe conferem estabilidade, convergindo para a longa duração (estruturas), quanto por dinâmicas que permitem a sua criação e reprodução no nível da conjuntura e do evento, sua autopoiese.22 Uma das vantagens desse raciocínio é perceber que as estruturas frequentemente antecedem e sobrevivem de variadas formas aos próprios sistemas ou às suas reconfigurações. Não apenas são peças de engrenagens espe21 KOSELLECK, Reinhart. Estratos do tempo: estudos sobre história. Rio de Janeiro: Contraponto, 2014. p. 54. 22 SILVA JR., Waldomiro Lourenço. A unidade do escravismo atlântico por sua cultura jurídica-mundo. Varia História, v. 40, jan./dez. 2024 (no prelo).

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